Arnobio Rocha Filmes&Músicas Elomar – A poesia do sertão (43 – 33/2010)

Elomar – A poesia do sertão (43 – 33/2010)

Acordei muito cedo e no carro a chuva fina e constante distrai, O cd rola o grande álbum: Cantoria2(Kuarup1988), uma combinação de belas musicas e interpretações destes aedos nordestinos mais que Universais.

Quanto mais você se aproxima do Universal seu ethos local te chama ouvindo Elomar, Geraldo Azevedo, Xangai e Vital Farias..sinto mais forte, o meu nordeste, talvez as músicas, lamentos do sertão tenham uma ligação etérea, telúrica com mistérios de Eleusis dos velhos gregos..Terra, mitos e amores.

Homens ligados à terra, sustento, amor e vida. Fecundar ter esperança no porvir, as ilusões de colher que não vem.. Cantar as estações.. Vem ou não a chuva para que terra venha gerar e parir seus frutos.

Central deste CD é Elomar com sua poesia operística, mais ligada a terra, ao Rio Gavião, sua mítica fazenda dos carneiros, é o poeta do estranhamento, das letras que misturam português provençal a linguagem do matuto, do sertanejo. A poética sofisticada parece simples para gentes da cidade, das letras, mas fruto de elaboração rude e crua do homem-terra.

Quem tiver curiosidade sobre Elomar ( http://www.elomar.com.br/ )  conhecerá sua história no portal dele, segue uma pequena demonstração de sua musicalidade:

O Pidido

Já qui tu vai lá prá fêra
Traga di lá para mim
Agua do fulô qui chêra
Um nuvelo e um carmim
Trais um pacote de misse
Meu amigo ah se tu visse
Aquele cego cantadô!
Um dia ele me disse
Jogano um mote de amô
Qui eu havéra de vivê
Pur esse mundo
E morrê ainda em flô
Passa naquela barraca
Daquela mulé reizêra
Onde almuçamo paca
Panelada e frigidêra
Inté você disse uma lõa
Gabano a boia bôa
Qui das casa da cidade
Aquela era a primêra
Trais pra mim vãs brividade
Qui eu quero matá a sôdade
Fais tempo qui fui na fêra
Ai sôdade…
Apois sim vê se num isquece
Quinda nessa lua chêa
Nós vai brincá na quermesse
Lá no Riacho d’Arêa
Na casa daquêle home
Feitecêro e curadô
Que o dia intêro é home
Filho do Nosso Sinhô
Mais dispois da mêa noite
É lubisome cumedô
Dos pagão qui as mãe isqueceu
Do batismo salvadô
E tem mais dois garrafão
Cum dois canguin responsadô
Apois sim vê se num isquece
De trazê ruge e carmim
Ah se o dinheiro desse!
Eu quiria um trancilin
E mais treis metro de chita
Qui é preu fazê um vistido
E ficá bem mais bunita
Qui Madô de Juca Dido
Qui Zefa de lô Joaquim
Já qui tu vai lá prá fêra
Meu amigo trais
Essas coisinhas para mim…

http://letras.terra.com.br/elomar/376578/

Trata-se um bilhete que a moça escreve com suas encomendas ao amigo que sai da fazenda e vai a cidade na feira, cada verso é um pedaço da ilusão e sofrimento do sertão, bem como das esperanças de vida nova.

Cantiga de Amigo

Lá na Casa dos Carneiros onde os violeiros
vão cantar louvando você
em cantiga de amigo, cantando comigo
somente porque você é
minha amiga mulher
lua nova do céu que já não me quer
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
conta os fios dos seus cabelos
sonhos e anelos
conta-me se o amor não tem fim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim


Lá na Casa dos Carneiros, sete candeeiros
iluminam a sala de amor
sete violas em clamores, sete cantadores
são sete tiranas de amor, para amiga em flor
qui partiu e até hoje não voltou
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
pois na Casa dos Carneiros, violas e violeiros
só vivem clamando assim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim


Lá na Casa dos Carneiros, sete candeeiros
iluminam a sala de amor
sete violas em clamores, sete cantadores
são sete tiranas de amor, para amiga em flor
qui partiu e até hoje não voltou
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
conta os fios dos seus cabelos
sonhos e anelos
conta-me se o amor não tem fim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim

http://www.vagalume.com.br/elomar-figueira-de-melo/cantiga-de-amigo.html

A sutileza do louvor à amizade entrelaçada a dor da perda da mulher amada que morreu, a reunião dos cantadores para cantar para que ela volte e o fio de esperança brote no coração, que pode ser apenas o lamento de mais um ano de seca, sem florescer.

Às vezes me pergunto tem coisa mais universal que isto? Nós “mudernos” da cidade que mal criamos versos, desprezamos a beleza do homem que canta a natureza, a terra, a vida simples, rude, mas que transforma em estranha, portanto canônica, a poesia do campo.

Elomar Figueira Mello – Programa Ensaio Completo

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=E4mP_SmyCOA[/youtube]

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0 thoughts on “Elomar – A poesia do sertão (43 – 33/2010)”

  1. Elomar foi o primeiro nordestino cantante que curti muito!!! Minha primeira paixonite de menina me apresentou. Aí troquei o Elomar pela paixonite! demais, adoro muito! obrigada por trazer ele de volta até mim.

  2. Cresci ouvindo essa turma de geniais, extendendo com Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho, Alceu Valença, Elba Ramalho, Amelinha, Diana Pequeno, Zé Ramalho e outros da vizinhança, cujos nomes não ganharam projeção, mas não menos talentosos.

  3. Caro,

    “…Das Barrancas do Rio Gavião é um disco que há vinte e oito anos(*) é propriedade eterna da Rainha da Holanda, a qual _ graças às benevolências das leis brasileiras sobre direitos autorais _ nunca pagou um real se quer de direitos do autor.”

    (*) Esta informação está no site do Elomar. Sem data, hoje, já deve ser mais de 28 naos, acredito.

    As nossas “propriedades intelectuais” são, neste caso em específico, Elomar e Vinícius de Moraes, que Apresentou o disco, com um texto digno de Vinícius de Moraes.

    Segue o texto do poeta….

    A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro. No dia em que “o sertão virar mar”, como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda “Duas Passagens”, entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio.

    Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino – anjo a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou “causos” escabrosos de paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.

    Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode “Francisco Orellana”, quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos – que usualmente é 10 graus – senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.

    E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.

    A onça é um dos símbolos sertanezos

    Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando a avista só atira nela de frente.

    – Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! – diz ele em seu sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado que está da nossa suposta civilização.

    Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas recônditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse:

    – Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas…

    É… Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas…

    Vinícius de Moraes
    Abril de 1973

  4. Elomar é gênio escondido que só será apresentado à “intelectualidade” daqui a uns dois séculos.

    Isto se faz suficiente para dizer que Elomar não é reconhecido pela contemporaneidade nem será.

    Os críticos que aí estáo não têm cohecimento suficiente para recepcionar e resenhar com honestidade a obra deste genial baiano que está peidando pra todos eles … e elas.

    Geraldo Sales|Juazeiro do Norte|Ce.

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