Arnobio Rocha Reflexões Guga, um grande brasileiro (Post 123 – 77/2011)

124: Guga, um grande brasileiro (Post 123 – 77/2011)

 

 

 

(do blog do guga: http://blog.guga.com/noticias/especial-35-anos-de-um-campeao-%E2%80%93-frases-titulos-e-conquistas/attachment/frases-guga-roland-garros-1997 )

Ontem ao voltar para casa estava ouvindo a Rádio Bandeirantes um programa de preparação do jogo Brasil x Argentina, quando de repente Milton Neves diz que estava no estúdio ao lado Fernando Meligeni e Gustavo “Guga” Kuerten, e que eles falariam aos ouvintes. Nem acreditei, estava entrando na garagem de casa, fiquei quase 20 minutos emocionado ouvindo(e chorando) meu maior ídolo no esporte, agradecendo todos os jogos que assisti dele.

Guga falava exatamente como o ouvi à primeira em junho de 1997, jeito simples, brincalhão e desprovido de qualquer máscara deste bando de mascarados do futebol. Fez brincadeiras de que deveria levar o Jacaré, seu ídolo do Avaí para seleção, de que o jogo logo mais era ótimo, pois se o Brasil ganhasse da Argentina seria considerado sensacional, se empatasse também, e se perdesse teriam a desculpa de não terem experiência, depois soltou aquela risada. Jamais teremos outro manezinho da ilha como nosso Guga, ele é um presente dos deuses, sem exageros.Voltei 14 anos no tempo imediatamente.

Tudo começou, para mim, num pequeno torneio challenger de Curitiba (Embratel Cup) metade de maio de 1997, um cidadão grandão cabeludo e desengonçado mandando boladas no outro da quadra e urrando a cada esforço. Era atração “B” dos programas de TV a cabo. Torneio regional e secundário, mas aquele cara me chamou atenção, nem o nome consegui decorar direito. Mas diziam que ele era um grande tenista que surgia, nosso tenistas numero um era Fernando Meligeni, estava feliz por estar entre os 50 do mundo. Aquele rapaz com a vitória do Challenger chegava a 66 no ranking, nada extraordinário,mas a figura exótica chamava atenção.

Aqui começa a maior aventura do esporte individual brasileiro desde Maria Esther Bueno, 27 de maio de 1997 numa quadra escondida para tenistas que apenas faz figuração no mais charmoso torneio de tênis do mundo, Roland Garros, em Paris, aquele rapazinho desengonçado mais cabeludo e exótico com aquele uniforme totalmente fora dos padrões, uma mistura de cores da bandeira brasileira, entra pra história, deu um baita azar de pegar uma chave fortíssima, exceto o primeiro jogo que o adversário era de pior ranking, Slava Doesedel da República Tcheca, numero 73, foi fácil demais 3 x 0 (6/0,7/5 e 6/4). Porém a segunda rodada ele pega um dos favoritos em grande ascensão no ranking o Sueco Jonas Bjorkman, numero 23. Guga foi para cima impôs 2 x0 e tinha jogo na mão para fazer 3 x 0, levou uma virada no 3º set, mas fechou bem 3 x 1(6/4,6/2,4/6 e 7/5),já era excepcional ele ir à terceira rodada.(confesso que não assisti as duas primeiras rodadas).

Um parêntese: nesta época tinha acabado de chegar do Japão e participava de um projeto de transferência de tecnologia, que tinha começado lá e continuava o desenvolvimento do projeto em campo em Salvador, convivia com cerca de 40 japoneses, num galpão e a língua oficial era japonês, tínhamos uns quatro brasileiros que falava japonês, mas aos poucos todo mundo se entendia, e os japas gostavam muito de tênis e um deles me chamou perguntando quem era aquele tal de Guga? A internet em 1997 não era lá grandes coisas, o site que eles acessavam era o do torneio de Rolang Garros e um da NHK que cobria o torneio, e este brasileiro de vestimentas exóticas e brincalhão ganhara o apelido de surfista do tênis. Passei a acompanhar o torneio via atualização do site e só na terceira rodada o “últimas notícias” do Uol dava resultado parcial dos sets, ficava lá esperando para nova atualização. Assim comecei a terceira rodada.

A terceira rodada Guga tem pela frente simplesmente o campeão de Rolanda Garros de 1995, considerado na época o maior jogador de saibro do mundo o austríaco, Thomas Muster, número 5 do mundo, vencera até ali 44 torneios de saibro, um MONSTRO. Grande jogo, Muster fez 1 x 0 num duro 7/6, Guga virou 6/1  e 6/3, mas perdeu o quarto set 6/3 e espetacular austríaco abre o 5º set fazendo 3/0, mas não se sabe de onde Guga regar e vira o jogo perdido e espanta o mundo com o 6/4. Alguma coisa realmente diferente estava acontecendo em Roland Garros.

Já nas oitavas de finais, Guga não era mais um desconhecido e exótico brasileiro, ele enfretará Andrei Medvedev, ucraniano gigante sacador forte, acabada de ganhar o Super 9(hoje Masters Series) de Hamburgo, jogo disputado na segunda quadra a Suzane Lenglen, começou dia 2 de junho e acabou no dia seguinte. Medvedev fez 7/5, Guga aplicou 6/1 e 6/2, mas perdeu de 6/1 o quarto set, quando no 5º estava 2/2 a partida foi suspensa. Dia seguinte recomeçando Guga abre 4/2, mas sofre o empate 4/4 e perdia 0/40 no saque quando usa toda sua força e vence 7/5. A inacreditável quartas de final totalmente inédita.

Aqui nem preciso dizer que as TV abertas do Brasil “descobriram” o manezinho da ilha, mas aquela figura totalmente anárquica não fazia o padrão global, é a primeira vez que ele aparece no jornal nacional, com uma pequena nota. Mas as quarta de finais, Guga enfrenta simplesmente o campeão de 1996 e maior favorito ao bicampeonato, o Russo Yevgney Kafelnikov, aquém Guga chama de “Café no copo”, grande jogo, quadra central de Roland Garros a torcida francesa já apaixonada pelo ‘maluco” cheio de cores e swing começa batendo 6/2 no campeão, sofre a virada 7/5 e 6/2, mas aplica um histórico pneu 6/0 e vence 6/4 no decisivo set. Aquilo parecia um sonho, um completo desconhecido, de um país que só se ouve falar pelo futebol, assombra Paris.

Ao chegar às semi, Guga terá outro jogador surpresa Filip Dewulf, um belga que veio do Qualifying e surpreendeu muito chegando junto com o brasileiro. Inspiradíssimo Guga jogou a partida com muita força e concentração, parecia que era veterano, com 20 anos ele fez 3 x 1 6/1,3/6,6/1 e 7/6. Guga torna-se finalista, as TVs e jornais brasileiros compram passagens e ingressos caros para “conhecer” aquele cidadão anônimo que chega à final. Lembro na sexta uma longa matéria no jornal nacional cheio de loas, mas apenas com imagens recentes de Guga, pois jamais souberam de quem se tratava. Vão atrás do hotel simples que ele se hospedava, não tinha regalias dos top tens, comia num lugar simples, que Guga manteve sempre a mesma rotina, com seu fiel amigo e protetor o GRANDE Larri Passos, outro cara genial tão desrespeitado no Brasil, invejado acima de tudo, mas que forjou um campeão, mentalmente forte.

No fim de semana em que aconteceu a final de Roland Garros, vim para São Paulo, estava para nascer minha primeira filha, e entre morar no Japão, depois Salvador, muitas coisas precisávamos fazer em casa, mas aquele jogo foi o grande momento daqueles dias. Domingo pela manhã, antiga Rede Manchete, abre um link com Roland Garros, Guga entra na quadra lado a lado com Sergi Bruguera, outro grande campeão do saibro, que havia conquistado duas vezes Roland Garros, 1993 e 1994, este espanhol era o primeiro de uma geração de campeões que hoje culminou com Rafael Nadal, uma escola de craques, planejamento de longo prazo. Simplesmente Guga não tomou conhecimento do currículo do Sergi Brugera facílimo 6/3, 6/4 e 6/2 uma loucura, aquele sujeito desengonçado chegou lá. Saímos de casa e algumas poucas pessoas no Parque Ibirapuera comemorando o título, depois de Airton Senna, Guga passa a ser a paixão nacional do domingos pela manhã.

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Recontar sobre Roland Garros é muito duro para mim, pois a figura ímpar e carismática do grande brasileiro Gustavo Kuerten é muito forte, esta semana fez 35 anos, o setembro de 1976 foi pródigo com o Brasil nos deu em uma semana Guga e Ronaldo Nazário, outra grande coincidência em 1997 tanto um como o outro assombraram o mundo. Porém o feito de Guga é mais espetacular, por ser um esporte sem tradição no Brasil, com raros patrocinadores, e este cometa harley parece que é nosso destino, primeiro Maria Esther Bueno e depois Guga. Obrigado campeão, vamos sempre ficar felizes em vê-lo torcendo pelo seu Avaí e nos dando alegria com sua imagem.

Links sobre Guga:

Site Oficial

http://www.guga.com.br/#/home

Instituto Guga Kuerten

http://www.igk.org.br/

Wikipedia do Guga

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustavo_Kuerten

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0 thoughts on “124: Guga, um grande brasileiro (Post 123 – 77/2011)”

  1. Muito bom, Arno. Grande texto.

    Eu sempre joguei tênis, mal e porcamente mas sempre joguei. E até o Guga, que surgiu quando eu já tinha 33 anos, nunca tinha tido o prazer de poder torcer por um brasileiro neste esporte que tanto amo.

    E o melhor de tudo é que o campeão era um sujeito extraordinário, simpático, simples, brincalhão, um cara totalmente diferente do último grande campeão nacional em esporte individual, o Senna (que eu nunca engoli pessoalmente, nunca me senti representado por ele como brasileiro).

    Foi uma felicidade total este título de 1997, lembro que ficamos preocupados se ainda ia sobrar quadra no clube em que jogávamos, pois achávamos que o efeito Guga ia lotar todos os Clubes do Brasil.

    Pena que a CBT não aproveitou a onda Guga para incentivar a formação de novos atletas e a estruturação do esporte no país.

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