Arnobio Rocha Filmes&Músicas Cisne Negro – ou dualidade Sexual

Cisne Negro – ou dualidade Sexual

 

 

Depois de quase um ano, finalmente assisti ao filme “Cisne Negro”, na época por um série de razões pessoais não pude, ou não quis vê-lo, o que realmente acabou se revelando de bom alvitre. Pois, agora assistindo, posso comentar com mais tranquilidade sem “entregar” a trama.

O filme é espetacular, visual arrebatador uma atuação grandiosa de Natalie Portman, que passou por uma jornada de preparação desde Padme de Star Wars, passando pela ousada Alice Ayres de  Closer, até a intensa Evey de  V de Vigança.

O filme é cheio de símbolos, uma forte carga psicológica, cujo centro é o Sexo, ou melhor a ausência dele, precisamente a repressão sexual da jovem Nina, dominada por uma mãe frustada com o sexo ou o produto dele (a filha), pois com a concepção dela abreviou sua carreira, aparentemente não brilhante de bailarina. Nina passa a ser o objeto do sonho de sua mãe, os “erros” cometidos por ela não podem ser repetidos, nem que isto custe a vida dela.

O contexto de Nina é dominado pelos planos do consciente e inconsciente, o real e o imaginário se misturam na narrativa, a intensa produção onírica guia o cotidiano da jovem bailarina. A sua virtuosidade pode ser premiada com o papel principal no corpo de baile, mas por outro lado sua técnica perfeita sem dar asas ao humano pode lhe afastar do centro. O dialogo estabelecido no teste e pós-teste ao papel principal é revelador, Thomas, o diretor, é claro com ela, “você é a cisne branco, mas pode ser sua gêmea, o Negro? tem a sensualidade e sexualidade dela”.

Ora, a dualidade da peça dos Cisnes é a de Amor/Sexo, já tratado por nós na análise de Eros (amor fraternal – o Cisne branco, aqui acrescento) Vs. Afrodite (Amor carnal, sexual – o Cisne Negro)  em que literalmente identifico este duo:

“A dualidade amor/sexo já era definida na Grécia tinha dois deuses: um amor sexual, carnal, e outro o fraternal. Eros, o amor perfeito, fraternal… Quase assexuado, ou duplamente sexuado – Afrodite, que significa em Grego: Amor-do-Pênis o amor da ejaculação, do gozo, do prazer.

Afrodite é a personificação do sexo.. antes dela, os gregos só conheciam Eros e para eles todos os seres tinham os 2 sexos e copulavam entre si. A função sexual era apenas mecânica e reprodutora não havia beleza, leveza ou prazer carnal”. ( Cultura – O maior legado Grego )

Os pares também determinam na intensa luta provocada pela mãe de Nina e seu Diretor. Por várias vezes Thomas inquire a jovem se ela é virgem, se tem prazer no sexo, por vezes a provoca para que ela deixe que aflore em si o cisne negro (Afrodite) o poder sexual, inclusive a aconselha que se masturbe.

Na outra mão, a mãe faz lhe lembrar que o sexo a fez perder a carreira, que ela não se deixe seduzir por Thomas que tem a fama de usufruir dos favores de suas bailarinas. A luta é intensa a jovem tenta se masturbar, mas ver a mãe, sexualmente a repressão tolhe seu talento.

A psiquê atormentada da jovem Nina faz com que ela se puna, no plano real/imaginário com cortes, o sangue lhe corre sempre às mãos, e mais uma vez recordamos antigos escritos nossos sobre culpa e sangue. Lady Macbeth, no Macbeth: Trono de Sangue,  lavar as mãos com muita água corrente, para limpar as verdadeira sujeira da alma, o tema da água purificadoras já amplamente vista na Grécia antiga como o juramento pelas águas do Estige (rio do Hades – sem a conotação do “Infernum”) ou o mergulho reparador no Letes, o rio do esquecimento, a limpeza das faltas, culpas ou pecados.

Ora, mesmo Jesus, que veio ao mundo sem pecado original, no mito cristão, a virgem que o pariu sem perder o hímen, precisou se banhar no rio Jordão e ser batizado por João Batista. Mais uma vez demonstrando a água, o líquido que limpa não apenas a sujeira do corpo, mas fundamentalmente a alma.

Nina não conhece o sexo, muitos menos o prazer, a própria sexualidade indefinida se deseja homem ou mulher,Lilly, a bela bailarina, causa-lhe mais confusão, cumprindo papel fundamental de fascinação/desejo sexual, mais uma vez os dois planos se misturam, uma relação sexual com Lilly, ou um sonho erótico é o confronto maior à mãe que lhe reprime. A satisfação e o medo acaba lhe imprimindo coragem para se livrar do quarto infantil que a mãe lhe aprisionou.

A catarse final se dará durante a estréia, Nina obcecada pelo papel, mas sem conseguir definitivamente ser Cisne Negro precisar ir além e, nas palavras de Thomas, antes do espetáculo: “Seu obstáculo é você”. As várias partes da queda inicial ao êxtase são de uma poesia intensa. A “luta” contra si, seu espelho, sua alma, só pode ser rompido com a violência, o hímen é rompido, o beijo intenso em Thomas tem efeito de um prazer maior, que se materializará no sangue da ex-virgem na morte de Eros/Cisne Branco.

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0 thoughts on “Cisne Negro – ou dualidade Sexual”

  1. É um filme extremamente lindo e a cena final uma catarse da entrega que a arte exige, uma entrega absoluta, uma eliminação do ego, um orgasmo criativo que mata uma etapa e inicia outra. Uma das cenas mais marcantes que já vi no cinema e uma das sensações mais intensas que esse já me proporcionou.
    Gostei muito da tua análise também. Abraços

  2. Maravilhoso o texto! Análise perfeita! E, acho que podemos ir mais além e ideintificarmos na figura da mãe repressora como muitas vezes nos reprimimos sexualmente devido a compromissos profissionais, família, e metas a alcançar. Como nos liberta de nós mesmos?!
    Abraços

  3. Cada um interpreta de acordo com seu paradigma interno. Pra mim o tema centra e o processo de esquizofrenia derivado nao so da relacao patologica com a mae, porem tambem da instituicao da industria com suas pressoes caracteristica. O desenvolvimento sexual do carater e uma so das partes. Se perdermos o roteiro como a mostra deste processo global de psicose e ficarmos com as partes separadas perdemos algo muito importante

  4. Arnóbio, por essas coincidências da vida, ontem tive a oportunidade de pegar o filme, já iniciado, em um canal por assinatura que acesso pela internet. Embora eu admire o trabalho da Natalie, acredito que o fato de ter pego o filme pela metade tenha dificultado a minha compreensão da trama, o que me levou a achar o roteiro confuso.

    Porém, ao contrário de você, agora eu lamento por não ter assistido o filme quando foi lançado. Após a leitura de seu texto, e dos consequentes comentários, percebo que o roteiro foi ousado, e que a obra merece ser melhor apreciada.

    Grande abraço companheiro!

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