Arnobio Rocha Reflexões Farinhada – festa da mandioca

Farinhada – festa da mandioca

 

 

 

“Lá na Casa dos Carneiros,

sete candeeiros iluminam a sala de amor

sete violas em clamores, sete cantadores

são sete tiranas de amor ”

( Cantiga de amigo – Elomar)


Quando estava saindo da fazenda Santa Maria, passamos na casa do Seu Vicente Tomé, filho do velho e sábio João Tomé, era seu aniversário, como tradição lá dos nossos lado muita comida e variada: Carne de porco criado em casa, galinha caipira, carneiro. Tudo regado a um papo animado dos amigos e parentes. Ao sair da casa, rumo ao carro, Seu Vicente convidou Vinicius, meu sobrinho de 7 anos e entusiasta da fazenda, a ir em 15 de julho para uma Farinhada.

 

Ao ouvir aquelas palavras fiquei emocionado, tem mais de 30 anos que não ouvia falar de Farinhada, que despertou minhas mais antigas reminiscências daquele lugar. Muitos aqui, que me leem, jamais ouviu falar em Farinhada, ou sabe o que é uma Farinhada.  Vou explicar melhor, mas antes conheça a história da nossa terra, neste post A mítica fazenda dos Rochas

 

Festa da Farinha – A Farinhada

 

 

Óbvio que Farinhada é o ato de fazer farinha, mas isto dito assim parece um ato comum e tolo. Na verdade a Farinhada é uma festa, uma grande farra, que animava nossas férias em fins de julho coincidindo com os aniversário do meu avô Doca Rocha. Ali, por volta de 26 de julho, a data do seu aniversário, todos filhos e neto, a prole era grande, 12 filhos, e uma infinidade de netos. Além de nós, as famílias dos filhos do seu João Tomé, que trabalhavam na fazenda e moravam lá,  também se reunia para a Farinhada. Meu avô não morava mais lá tinha muito tempo, mas em julho ia para lá e reunia seus parentes.

Diziam que Doca Rocha fora um grande cavaleiro, cuidador de bichos e terras, tinha sido o filho que cuidara das terras do seu avô, pouco lembro dele montando, mas nas vezes que via comprava a fama, o jeito de subir no cavalo, a montaria bonita, ele já idoso, mas lembro dele ereto à frente dos demais, logo eu que morria de medo de subir no cavalo receoso que desembestasse. Vovô reunia todos na casa na preparação da Farinhada.

Segundo meu pai, Pedro Rocha, a preparação era longa, a plantação do roçado até a colheita da mandioca demorava um ano e meio. A terra em geral, era queimada para limpar os tocos e o terreno preparado para plantação, uma parte era dedicada à mandioca. Papai me disse que hoje quase não se tem mais, na região este tipo de plantação, por conseguinte a Farinhada. O valor da farinha é baixo não compensando mais o plantio.

Depois da colheita a mandioca era cortada pelo homens, daí as mulheres a descascava. Em  seguida os homens voltavam a ação para moer e por para secar. Este processo todo era feito em um a dois dias, culminando com a noite da Farinhada.

 

Aí sim, nós, os pequenos, começávamos a curtir, no fim do dia todos se reuniam na casa de farinha, o forno à lenha aceso,  a iluminação era de lampiões e lamparinas. Seu Raimundo Tomé, grande violeiro e cantador, geralmente levava outro companheiro de viola para duelar e cantar para animar a festa. A poesia simples cheia de lamentos e contando a vida do sertão ainda hoje me comove. As mulheres faziam cantos religiosos e orações de agradecimento pela colheita e pelo ato de fazer farinha.

Acompanhava aquilo tudo numa alegria sem fim, não precisávamos dormir cedo, a Farinhada ia até tarde, varava a madrugada, como sempre nos intervalos das músicas, os mais velhos começavam a contar estórias de trancosos, destaque para o Aedo João Tomé, muitos anos depois, quando li a Odisséia, percebi que ele era o  Demodoco, ali na minha frente, a tradição oral, naquele português provençal. O cheiro de rapé (tabaco) no ar, misturado ao nosso medo pelas estórias contadas, ainda sinto neste momento que escrevo.

O prêmio final era ver a farinha saindo, além dela a goma para fazer tapioca. Estas eram oferecidas quentes grossas, com dois dedos de espessuras, também chamada de “grude”, que delícia que era. Também tinha beiju uma espécie de tapioca mais seca. Muito leite e café, antes de dormir feliz, esperando o dia amanhecer.

Que sorte o pequeno Vinicius vai conhecer este verdadeiro ritual da colheita, para que mora em grandes cidades, até as pequenas e médias, já não sabem o que isto, a lembrança do campo, dos costumes simples e felizes, para compensar a vida dura e amargura do trabalho sol a sol.

E na bela canção do Elomar me encontro com aquele passado.

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0 thoughts on “Farinhada – festa da mandioca”

  1. Ô coisa boa ter uns minutinhos para passar nesse recanto maravilhoso do companheiro Arnóbio. E a gente chega aqui e milhóes de éons se abrem à visitação, e dê-lhe povo, dê-lhe cultura, e agora, para premiar este sol magnífico, ELOMAR. muito grata, Cantiga de Amigo, eles todos cantando, já me fez chorar por dias sem fim.

    Muito agradecida por este rio que se forma agora ao meu redor.

  2. Crise2.0 me ferve a cabeça mas, as memórias… ah! essas me levam p/ o meu passado,e como foi bom…

    Hoje,acho que não aproveitei o suficiente…acreditava que não acabaria nunca…É,acabou , muitos já se foram …

  3. Me lembrou muito um tempo que passei numa aldeia de índios em Alagoas, quando participei de uma farinhada. Desejeitado para o trabalho, comecei nas máquinas de picar a mandioca, me jogaram para o forno onde quase queimei uma partida de farinha, e acabei junto com as mulheres rapando a mandioca e ouvindo as fofocas da aldeia. #Delícia #Saudades

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