Arnobio Rocha Crise 2.0 Crise 2.0: A Farsa das"Lições de Casa" Alemãs

487: Crise 2.0: A Farsa das"Lições de Casa" Alemãs

 

Os vagões das exportações da Alemanha em Alta - Foto: christian charisius/reuters

Recentemente publiquei um dos tantos artigos sobre os “mistérios” da força da Alemanha( Crise 2.0: O (não)Mistério da Força Alemã) como também das famosas “lições de casa”de que tanto falam, mas pouco se explicita o que seria elas. Aí você cria “categorias” econômicas ou filosóficas sem conteúdo, resumindo à formulação superficial. Mais uma vez aqui na a série Crise 2.0, tentaremos desmitificar o que são estes mistérios, para que compreendamos de forma mais ampla o que acontece no Euro.

 

A melhor maneira de entrar neste debate é buscar conhecer alguns aspectos interno da Alemanha, deparei-me com uma rica matéria no Estadão, feita pelo excelente Jamil Chade, correspondente na Suíça. Ele nos traz uma entrevista como o economista Reinhard Schmidt, professor de Finanças na Universidade de Frankfurt e um dos nomes mais respeitados da academia alemã, acredita que a Alemanha resistiu à crise nos últimos dois anos porque “fez a lição de casa”. Autor de vários livros e orientador de dezenas de doutorandos que hoje são os gerentes e presidentes executivos dos maiores bancos da Alemanha, Schmidt foi contratado para fazer um levantamento sobre o motivo pelo qual os bancos alemães resistiram à crise.

 

O repórter já resume  a entrevista numa formulação feita pelo economista alemão, que reflete o que mais repisamos aqui nas nossas investigações  sobre a Crise em geral e a Alemanha em Particular: “modelo não foi implementado sem altos custos políticos e não pode ser simplesmente transferido para outros países do bloco.  Vamos analisar alguns pontos da entrevista, os mais relevantes e reveladores.

 

 

Por que a Alemanha não sucumbiu à mesma crise dos demais países europeus?

Aqui, a atitude é de parceria, entre empresas, governos e bancos. No auge da crise, em 2008 e 2009, muitas empresas reduziram o tempo de trabalho de seus funcionários e o governo as apoiou. Metade do salário passou a ser pago pelo governo. Houve um importante consenso político e, quando a recuperação deu sinais de estar presente em 2010, a retomada foi rápida e acelerada. Mas nada disso é novo na Alemanha. Essa parceria tem uma longa tradição e está enraizada ainda no Segundo Império, após a unificação do país por Bismark.

 

Ora, a Senhora Merkel, que exige Austeridade dos governos, corte gastos sociais, não se negou a dar dinheiro do Estado alemão às empresas, para pagar até metade dos salários dos trabalhadores.  Estas pequenas contradições jamais podem ser esquecidas, pois veremos as consequências, apontadas pelo economista abaixo.

 

E qual foi o resultado disso?

O resultado é que nunca o desemprego no país foi tão baixo. Existem regiões que vivem o pleno emprego. Não demitir funcionários foi parte da garantia da recuperação e da produtividade. Foram criados incentivos para que as médias e pequenas empresas mantivessem seus trabalhadores. Muitas dessas empresas são altamente especializadas e perdê-las teria um custo econômico muito alto.

 

Atentem para o fato inescapável que a luta para manter o emprego dos trabalhadores, não esqueçamos às custas do Estado, foi fundamental para não sucumbir diante da Crise. Relembremos as críticas ferozes dos neobobos humoristas, digo Economistas, aqui no Brasil quando o Governo Lula e Dilma incentivam o emprego com dinheiro público, invariavelmente enchem a boca para usar o exemplo alemão, prova-se aqui que eles desconhecem o tal “exemplo alemão”.

 

Mas como é que a Alemanha conseguiu atravessar os últimos dois anos de crise?

Há anos havíamos feito a lição de casa e, por isso, resistimos à crise. Nos anos 90, o custo do trabalho na Alemanha era o mais alto da Europa. O governo social-democrata de Schroeder optou pelas reformas depois de anos de estagnação. Elevou a idade mínima de aposentadoria para 67 anos e exigiu mais tempo de trabalho. Com suas decisões, o chanceler se transformou numa das pessoas mais odiadas da Alemanha e, obviamente perdeu a eleição. Mas deixou o país preparado para qualquer crise e abriu uma nova era de competitividade.

 

Como já comentei em outros textos sobre a Alemanha, o centro do que se tem hoje, remonta o governo Social Democrata, a Direita alemã deu continuidade, Merkel não fez qualquer milagre, não é a salvadora local.

 

Como o senhor define hoje o modelo econômico alemão?

É um modelo de complementaridade e eu chamaria de economia de mercado coordenado, em oposição à economia liberal de mercado. Vou dar um exemplo. Metade do conselho das grandes empresas é formado por representantes de trabalhadores. Há ainda uma forte presença do Estado e de bancos.

 

Mais uma vez aqui, o canto neoliberal deve ser esquecido, sem o Estado, não há sobrevivência, a tolice de se desmontar o aparelho estatal apenas leva a destruição do aspecto central de economias tão interligadas: A perda da Soberania. Isto leva a que o país inteiro fique extremamente vulnerável diante de uma Crise tão grande. Apenas os raivosos colunistas que nada entendem de vida real continuam a vociferar contra a presença estatal. Os trabalhadores são decisivo nos processos das empresas, seus sindicatos e centrais têm poder fundamental, aqui são demonizados pela grande mídia tosca.

 

O modelo produtivo alemão pode ser copiado?

Não. Pelo menos não no curto ou médio prazos. Há uma combinação de fatores e de história que o torna único. Nossa economia é baseada em milhares de pequenas empresas, flexíveis e altamente especializadas que conseguem ter, no mercado externo, uma base importante para seu crescimento. Isso ocorreu porque, nos anos pós-2.ª Guerra, não tínhamos um mercado doméstico para consumir o que se produzia e tudo foi estabelecido para que pudéssemos exportar.

 

Ou seja, as tais “lições de casa” da Alemanha, foram uma combinação de fatores locais( empresas pequenas e flexíveis, voltadas à exportações) com amp
lo apoio do Estado( que pagou pelo pleno emprego), além da reformas que tornaram o emprego precário em “emprego”. Em síntese, não há milagre.

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0 thoughts on “487: Crise 2.0: A Farsa das"Lições de Casa" Alemãs”

  1. Arnóbio, tenho uma sobrinha na Alemanha que é altamente especializada é engenheira de materiais com doutorado. Ela trabalha em uma grande indústria de soldas (que tem filial no Brasil), emprego que conseguiu a cerca de dois anos. Quando estava na Universidade fazendo o doutorado vivia de bicos, mas ao se formar quase imediatamente conseguiu um emprego e o marido também engenheiro de materiais presta consultoria em duas ou três empresas. Apesar disto a crise assusta eles.

  2. Pois é, o Estado alemão sempre foi “protetor”, estranhava essa loucura da Merkel, pensei que tivesse jogado tudo pro alto. Que canalhas, meu deus!!!

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