Arnobio Rocha Mitologia Sono, Sonhos e Fantasias

719: Sono, Sonhos e Fantasias


Sono e Tânatos – John William Waterhouse

A semana que se inicia promete acabar em grande festa, afinal sexta é carnaval, a época dos sonhos e fantasias, ou dos sonos e sonhos.

Desde semana passada que estava com um texto sobre sonhos na mente, agora pensando que se associa bem ao carnaval, pois, na maioria das vezes, é nele que se dará vazão aos sonhos, as mais loucas fantasias e os belos desfiles que são produtos oníricos, de tão criativos e surpreendentes, tanto de escolas de sambas ricas ou até de blocos de rua, não importa, sempre se superam.

Camille Paglia define o sonho, como sendo “cinema mudo, sem a censura social”, as coisas mais inusitadas e estranhas são produzidas durante nosso dormir, aqui, de pleno acordo com o que diz a escritora, a censura social, ou moral, não atua nos sentidos mais profundos, dando, assim, plena liberdade aos desejos irrefreáveis bem como à ousadia de sonhar com coisas impensáveis, o que torna possível grandes criações, que inovam e renovam o poder de elaboração do ser humano, não importa se na Grécia antiga ou nos dias atuais.

Na introdução ao livro Mitologia Grega, Vol 1, de Junito de Sousa Brandão, Dr. Carlos Byington Psiquiatra e Analista Junguiano, magnificamente fala de Sono/sonhos sua importância para a humanidade, principalmente na comunicação de “Consciente/Inconsciente” , pois assim, “Da mesma forma que a noite permite às plantas prepararem-se para cada novo dia e o sono descansa e reabastece o corpo, assim, também, o Inconsciente renova a Consciência. Das trevas fez-se a luz, que, através delas, se mantém. De noite, por meio dos sonhos; de dia, através da fantasia, os arquétipos produzem e revigoram os símbolos. A interação do Consciente com o Inconsciente Coletivo, através dos símbolos, forma, então, um relacionamento dinâmico, extraordinariamente criativo, cujo todo podemos denominar de Self Cultural”.

Na Grécia antiga os sonhos são peças fundamentais para o entendimento da sociedade, da capacidade de criar, das relações entre os homens e suas divindades, não é a toa que os deuses, em regra, se comunicam com os homens pelos sonhos.

Exemplos aos montes temos escritos sobre estes fatos, lembremos na Ilíada, que Aquiles pede a sua mãe, a deusa marinha Tétis, que sua honra seja reparada. Ela procura Zeus e ele atendendo às suas súplicas, por meio de um sonho, infunde coragem ao Rei Agamêmnon, de que tomaria Troia sem a ajuda do herói mirmidão(Aquiles).

O sonho trairá, assim, o comandante em chefe da armada grega, servindo de justa vingança ao seu ato impensado, quando humilhou o maior dos heróis gregos.

Na mesma Ilíada, o mito de Páris, como o destruidor de seu lar, foi visto através do sonho de Hécuba, que viu nascer de si uma tocha que punha fogo em Troia. Príamo, consulta o oráculo, que interpreta o sonho como a ruína do país, imediatamente, ao nascer, o rei impõe que lhe matem o filho.

Porém, a esposa, prefere que ele vá viver no campo, como filho do pastor Agesila. A desobediência dos pais, em gerar a criança, o aviso pelo sonho, depois a resolução de não sacrificá-lo, todos estes fatores levaram à ruína definitivamente do país.

Na Odisseia, Palas Atená ajudará Odisseu, através de sonho, na primeira vez, aparecendo para Nausícaa, filha do rei dos Feaces, Alcínoo, para convencê-la a ir lavar suas roupas no rio. Lá ela encontrará o herói desmaiado, leva-o à presença do pai e este o ajudará na sua volta para casa.

D’outra feita, a Deusa de olhos glaucos, aparecerá em sonho para Telêmaco, filho de Odisseu,  indica-lhe o caminho a seguir para evitar a emboscada dos pretendentes da sua mãe, já que o castelo estava tomado por estes, destruindo as riquezas em festas e torneios.

Junito nos lembra que “a Atlântida, o continente submerso, seja qual for a origem do mito, permanece no espírito de todos, à luz dos textos inspirados a Platão pelos sacerdotes egípcios, como o símbolo de uma espécie de paraíso perdido ou de cidade ideal. Domínio de Posídon, aí instalou ele os dez filhos que tivera de uma simples mortal. O próprio deus organizou e adornou sua ilha, fazendo dela um reino de sonhos: “Seus habitantes se enriqueciam de tal maneira, que jamais se ouviu dizer que um palácio real possuísse ou viesse algum dia a possuir tantos bens. Tinham duas colheitas por ano: no inverno utilizavam as águas do céu; no verão, aquelas que lhes dava a terra, com a técnica da irrigação” (Crit. 114 d, 118 e). Sendo, pois, Atlântida o produto elaborado de um sonho, social e político, que alimentou tantas gerações na sua busca, real ou imaginária.

Hesíodo, na sua Teogonia, mostra a origem das criaturas das noites, assim descritas: “Nix (Noite), ainda sozinha, deu à luz entre outros: Moro (Destino), Tânatos (Morte), Hipno (Sono), Momo (Sarcasmo) , Hespérides, Moiras”.  Cabe notar, neste particular que Hipno( Sono) é irmão de Tânatos ( Morte), confundindo assim dormir com fenecer. Entretanto, nos esclarece Junito, que “Tânatos contém um valor psicológico: extirpa as forças negativas e regressivas, ao mesmo tempo que libera e desperta as energias espirituais. Filha da Noite e irmã de Hipno, o Sono, possui como sua mãe e irmã o poder de regenerar. Quando se abate sobre um ser, se este orientou sua vida apenas num sentido material, animalesco, a Morte o lançará nas trevas; se, pelo contrário, deixou-se guiar pela bússola do espírito, ela mesma lhe abrirá as cortinas que conduzem aos campos da luz. Não há dúvida de que em todos os níveis da vida humana coexistem a morte e a vida, ou seja, uma tensão entre forças contrárias, mas Tânatos pode ser a condição de ultrapassagem de um nível para um outro nível superior”.

Como produto de um sono, de um sonho, prometo sonhar e continuar as reflexões, em breve, os apontamentos foram apenas para não se perder o fio da meada, no meio de uma produção onírica, tão intensa.

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2 thoughts on “719: Sono, Sonhos e Fantasias”

  1. Lembrando de Asclépios e o santuário de Epidauros no Peloponeso onde os sacerdotes interpretavam os sonhos dos pacientes para preparar a sua cura.
    Evangelos

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