Arnobio Rocha Crise 2.0 Crise Dois Ponto Zero – Poder Alemão

796: Crise Dois Ponto Zero – Poder Alemão

 

Merkerl – A representante dos bancos alemães, que domina a UE

 

“Com que poder subjuga os elementos?

Não será co’a harmonia entre ele e o mundo?

Ele a absorver do mundo as maravilhas,

e a expandi-las depois com brilhos novos?”

( Fausto – Goethe )

 

No caso da Alemanha, um pequeno recuo histórico, nos dará a ideia global de como começa seu poder e por que domina a Europa. Por uma questão de metodologia nos concentramos especificamente nos últimos governos da Alemanha, pois o salto histórico está justamente neles, para entender as questões de hoje, algumas pistas sobre como chegou aqui já pus em alguns textos, em particular as reformas de Gerhard Schröder.

A Alemanha vinha de uma custosa reunificação, mesmo sendo a principal economia europeia, a realidade mudara muito, o Estado estava imensamente endividado, pois era preciso tornar comum o padrão de vida aos dois lados, este era o maior desafio. Quando a direita perde a eleição para Gerhard Schröder e este leva o SPD, Social Democrata, a praticar uma duríssima política neoliberal, quadros históricos se afastam do partido.

As reformas implantadas por Schröder, se deu num momento muito particular da Alemanha, com ampla ajuda dos futuros parceiros da Zona do Euro, que fizeram vistas grossas ao déficit produzido pela custosa unificação. O Governo do SPD seguiu o receituário básico das políticas liberais: Reforma da Previdência, flexibilização do contrato de trabalho, privatizações. A destruição do Estado de Bem-Estar Social, com a chamada “Agenda 2010” mudou radicalmente as relações de trabalho na Alemanha. A economia alemã baseada em forte incremento em tecnologia e mão de obra especializada, agora era também “barata”. A resposta que teve nas urnas foi uma derrota para uma pouco expressiva Angela Merkel.

Merkel, oriunda da Ex-Alemanha Oriental, levada ao governo por Helmut Kohl ainda nos anos 90, rapidamente cresceu na direita alemã que fora abalada pelos escândalos de corrupção do antigo primeiro-ministro, por 7 anos se manteve na oposição até derrotar Gerhard Schröder. Com uma combinação de força externa e habilidade interna, Frau Merkel galvanizou as forças da Alemanha e se impôs na Zona do Euro. Os custos sociais são altos, a Alemanha tem seu menos desemprego, mas também convive com o subemprego, uma imensa precarização que atinge 9 milhões de trabalhadores. Uma excelente reportagem do Site Euronews (O “milagre” alemão não é para todos)  da conta desta contradição alemã. O “milagre” tem um preço gigante aos trabalhadores, a redução dos seus salários e o emprego precário. O que cinicamente é desprezado pelo Ministro do trabalho alemão na entrevista final.

Preparada e armada fortemente, aproveitando as condições da moeda única, os números fortes da Alemanha, são o contraponto aos decadentes de Itália ou Espanha, o superavit do país é de igual tamanho do déficit dos demais, ou seja, a transferência de riqueza e acumulação é feita na mesma proporção e vista a olhos nus. Quanto mais a Alemanha cresce, mais Itália, Espanha, Grécia ou Portugal caem. A França está no meio do caminho, ou no centro do “cabo de força”.

Rapidamente, a Alemanha aprofundou o fosso que a separa dos parceiros do sul, levando a uma distância grave, que só aumentou nos últimos 3 anos: “Não é apenas trabalhadores que desembarcam na Alemanha por conta da crise em seus países de origem. Nos últimos dois anos, o mercado alemão atraiu bilhões de euros. Temendo uma quebra de bancos ou mesmo a saída da Grécia da zona do euro, os investidores optaram por levar seu dinheiro para o local mais seguro da Europa. Empresários e banqueiros alemães comemoram. Desde 2009,  1 trilhão saiu dos bancos dos países do sul da Europa, seja por conta de correntistas em busca de um local seguro para suas economias ou por conta de investidores que buscavam novas oportunidades”.(Estadão, Maio de 2012)

Apenas em 2011, em plena crise que explodiu a Zona do Euro, o tesouro alemão “economizou” 20 Bilhões de Euros em transações de títulos. Mesmo no pior momento de novembro, por exemplo, os títulos da Itália e Espanha bateram 7% de prêmio, os da Alemanha não chegaram aos 2%. É uma realidade crua demais que o Dow Jones diz: “A lista de ativos considerados seguros está encolhendo e os investidores estão tão nervosos com a perda potencial de capital que estão dispostos a pagar uma taxa de juro apenas para proteger seus recursos nos poucos ativos ainda percebidos como seguros, como os Bunds do Tesouro alemão”.

 A transfusão de Sangue: da UE para Alemanha

 

Desde a entrada em circulação do Euro, em 1999, até 2010 a Alemanha teve um superávit comercial de 1 trilhão de Euros com seus parceiros de Mercado comum, como observa Sílvio Guedes, jornalista do jornal o Estado de São Paulo, que aponto que “O número indica que a nação germânica foi a mais beneficiada pela moeda comum no comércio exterior, em valores absolutos. Em 1998, quando os alemães ainda usavam o marco, seu superávit comercial junto às nações que mais tarde adotariam o euro era de apenas US$ 29 bilhões. Em 2008, já com a divisa comum, o saldo atingiu US$ 177 bilhões, número sete vezes maior. O valor caiu a partir de 2009 por causa da crise originada nos Estados Unidos, mas ainda assim permaneceu bem acima do nível verificado nos tempos do marco, como mostra o gráfico abaixo”.

Fonte:OCDE

Analisando os números do PIB da Zona do Euro concluí que lógica é perversa e simples, a quebradeira geral alimenta os músculos da economia alemã, uma transfusão de sangue aos contrário dos corpos doentes para o corpo forte. A exigência de mais sacrifícios está em linha com a política da Alemanha, quanto maior a austeridade, mais sobra dinheiro para as exportações e para que os bancos alemães recebam mais capitais.

O Gráfico acima do comércio exterior dá a exata medida de como funcionou o comércio na Zona do Euro, ao invés de solidariedade o que se tem é concentração. Mas é preciso entender a lógica interna destes números, os bancos da Alemanha, emprestaram fortemente aos países, agora muito endividados, que, com este dinheiro vai à Alemanha comprar seus produtos. O que, Hoje, Merkel clama de não emprestar para não financiar o “consumo” era exatamente isto que sempre fez, o crescimento era alemão, em detrimento dos demais.

Aqui, nos ajuda, novamente, Sílvio Guedes, com uma correta observação de que “Não por mera coincidência, a escalada das exportações alemãs ocorreu principalmente em cima de países que mais tarde se tornaram o foco da crise europeia. De 1998 a 2008, o superávit comercial da Alemanha com a Espanha aumentou 11 vezes; com a Itália, 8,6 vezes; com Portugal, 7 vezes; com a Grécia, 3,5. Somente em cima da Espanha, a Alemanha ganhou US$ 270 bilhões no comércio de bens de 1999 a 2010. Sobre a França, os alemães acumularam um saldo de US$ 328 bilhões (No entanto, os franceses são a segunda maior economia da zona do euro e por isso não sentiram tanto essa perda.) Abaixo, quanto a Alemanha ganhou em superávit comercial com outros países da zona do euro, de 1999 a 2010″.

Fonte: OCDE/Estadão

Vimos que a lógica se completa: os empréstimos abundantes, juros baixos, os países recebiam e gastavam por conta, principalmente na Alemanha, que saía do buraco com a fusão com o lado oriental, que lhe fez gastar 1, 3 trilhões, mas ganhou 40% de território e uma população instruída de 16 milhões de pessoas, um grande “negócio”. Sílvio ainda observa bem o fundamento da lógica alemã: “Não é à toa, portanto, que a Alemanha não defendeu, até agora, a saída de nenhum país da zona do euro. Isso só ocorrerá se a situação ficar insustentável, ou seja, se o país achar que o que ele ganha no comércio exterior não compensa o que perde no caso de ser contaminado por uma crise financeira originada nos seus vizinhos”.

Austeridade x Crescimento?

A relação da dívida vs PIB, tantas vezes analisadas por nós, em vários artigos no nosso blog, tem melhor explicação com este gráfico, que demonstra o comportamento dos países desde a introdução do Euro, como diz Sílvio Guedes “Os dados mostram por que a austeridade fiscal, sozinha, não salva nenhum país da crise do euro. A Espanha, por exemplo, mantinha suas contas públicas em ordem desde a criação da moeda europeia. Na verdade, a partir de 2002 tornou-se mais prudente até do que a Alemanha. Foi somente em 2008, após a crise dos Estados Unidos, que a Espanha descambou”.

Fonte: FMI/Estadão

Percebe-se que o caminho de cada país e suas relações comerciais com a poderosa Alemanha está ligado diretamente aos déficits que cada um deles apresenta, a relação é extremamente desequilibrada, mas, mais ainda, quando se verá no próximo gráfico o saldo/ déficit em contas correntes entre as economias, aqui definitivamente prova que a Alemanha funciona como um sugador brutal das demais economias, diante do risco de calote, ela impõe que os Estados se apertem para pagar suas dívidas, que por mera coincidência é com os bancos alemães em primeiro lugar.

 O Poderio alemão foi amplamente reforçado com a adoção do Euro, os países sem moedas locais não puderam mais, quando em crise, as desvalorizar, virou uma pressão de se viver sob a égide de uma potência com alta produtividade, capacidade econômica e poder de atração de novos capitais, canalizando assim todos os principais recursos para Alemanha. O gráfico aponta exatamente isto:

Fonte: FMI/Estadão

Como analisa, mais uma vez, Sílvio Guedes, “a criação da zona do euro colocou na mesma arena economias completamente desiguais. Enquanto existiam moedas diferentes, a taxa de câmbio ajudava os mais fracos a manter algum grau de competitividade. Quando a Espanha começava a importar muito da Alemanha, a peseta se desvalorizava em relação ao marco. Com isso, os produtos alemães ficavam mais caros para os consumidores espanhóis, de modo que estes passavam a importar menos. Com o euro, no entanto, os espanhóis, entre outros europeus da periferia, continuavam com poder de compra alto mesmo enquanto sua indústria perdia espaço para as empresas alemãs. Tanto as empresas como os consumidores de países periféricos conseguiam tomar dinheiro emprestado facilmente no mercado, com as taxas relativamente baixas determinadas pelo Banco Central Europeu. Isso mantinha a produção e o consumo em um ritmo razoável, sustentando o Produto Interno Bruto”.

A introdução do Euro fez crescer mais ainda as diferenças, mas enquanto havia dinheiro a rodo tudo ia bem, sem preocupações, mas quando veio 2008, as torneiras se fecharam aí a “‘maionese desandou”. Os países mais endividados se afundaram, não perceberam o tamanho do abismo, como diz Sílvio, “Mas quando os bancos pararam de emprestar, as companhias ficaram com dificuldade para rolar a dívida. Ainda, o financiamento imobiliário caiu, derrubando os preços dos imóveis e revelando o estouro de uma bolha. O governo espanhol, até então disciplinado e austero, teve que escolher entre deixar o mercado se equilibrar por si só – com todas as consequências sociais previsíveis e imprevisíveis – ou abrir os cofres públicos. Optou por injetar 146 bilhões de euros no mercado financeiro, arcar com o aumento de gastos sociais – por exemplo, para suprir o aumento da demanda por auxílio-desemprego – e ainda lançar pacotes para estimular a economia. Com isso, o governo da Espanha, que em 2007 gastava menos do que arrecadava, em 2009 desembolsou 117 bilhões de euros a mais do que arrecadou. Isso fez as contas públicas do país piorarem, gerando medo, nos mercados, de um calote na dívida do Estado. A consequência é que os investidores passaram a cobrar juros mais altos para emprestar à Espanha, tornado ainda mais difícil, para o país, rolar sua dívida”.

A Imposição da Política Econômica Alemã a UE.

A política restritiva da Alemanha está em linha com suas perspectivas, mas frontalmente contra os demais países, dificilmente se terá uma saída razoável, sem que a Alemanha abra mão deste poder coercitivo, os números acima demonstram o quanto ela lucrou, o quanto foi beneficiária de todo o boom, por que agora não quer dividir o bolo? Ao contrário, quer retirar mais e mais dos países francamente depenados, pode ter solução pacífica diante de tanta imposição e arrogância?

Sim, é um círculo vicioso, quanto mais crise nos outros países, mais a Alemanha se beneficia. O desemprego na Europa chegou a mais de 12 %, enquanto, na Alemanha, gira em torno de 7%. Em comparação para 82 milhões de alemães há 3 milhões de desempregados, enquanto que há 4,5 milhões de desempregados para 45 milhões de espanhóis. Potencialmente catastrófico.

Na Espanha há grandes protestos contra o desemprego, do lado alemão há uma crescente entrada de jovens qualificados vindos do sul, o que azeitas, mais ainda, a sofisticada economia alemã. Houve aumento em 84% de gregos pedindo visto de trabalho no primeiro semestre de 2011, a entrada de estrangeiros chegou a 435 mil, 19% a mais no ano passado. A atração é irresistível, solidez econômica, emprego e oportunidade. Para empresas, mão de obra qualificada e salário menor.

A própria crise do Euro, com a perda do “valor” da moeda, ajuda as empresas alemãs na exportarem para o mundo, mesmo com a queda na exportação interna na Europa, mas ela significa 40% do total, para outros países os produtos da Alemanha estão mais baratos, favorecendo sua grande balança comercial e seu comércio mundial. As exportações cresceram impressionantes 83% apenas em 2011.

A agência Dow Jones informa que “o Produto Interno Bruto (PIB) da maior economia da zona do euro aumentou 3,0%, em 2011“. E que “ritmo da expansão deverá, no entanto, se desacelerar neste ano(2012), à medida que a demanda global diminuir e os planos de austeridade induzidos pela crise afetarem boa parte da Europa. Em dezembro(2011) o Bundesbank (o banco central do país) afirmou esperar que o crescimento econômico alemão se desacelere para 0,6% neste ano(2012), assumindo que não haja um maior aprofundamento da crise de dívida soberana europeia. Porém as contas se equilibraram enormemente: “O déficit no orçamento do setor público da Alemanha diminuiu para 1,0% do PIB em 2011, em comparação com 4,3% em 2010, ficando dentro do limite da União Europeia, que é de 3%”. ( Dow Jones).

Não resta dúvida quem é quem na Europa, neste novo desenho da economia mundial, Alemanha se desloca da Europa, ou melhor, Europa se submete ao poder daquele país, parece inexorável. O Artigo de Stefan Schultz, na Der SpiegelCrise na Europa, a Benção da Alemanhaele escreve que a “Zona do euro irá se afastar mais e mais. Itália e Espanha pagaram por seus empréstimos a juros altos, para continua a pagar os investidores e ter ainda dinheiro para tornar a sua dívida com eles. O mesmo com a exportação e mercado de trabalho e a síntese é: Muitos países da UE sofrem, a Alemanha tem se beneficiado”.

Os investidores não são “bonzinhos” mas a aposta na Alemanha é uma certeza que ela usará de sua força política e econômica para que os outros países paguem, ou se submetam aos ditames dos “mercados”. Mas a perversa situação reflete uma questão pouco explorada, os limites do próprio Euro.  Voltemos ao que nos diz o articulista da Der Spiegel. “Muitos países da UE sofrem, os benefícios são da  Alemanha – esta é atualmente uma regra da crise euro. Parece cínico, mas é verdade: Enquanto a crise reduz o crescimento econômico neste país, mas há também uma série de mecanismos de crise, em que a Alemanha ganha à custa de outros estados para alguma coisa.Enquanto houver na zona do euro, um grande crash, este mecanismo mitiga os efeitos da crise na própria Alemanha”.

Temos duas questões que são contraditórias a este poderio alemão, um, que o confirma de forma irresistível seu poder de atração de capitais, o outro, o limite do próprio Euro, o risco de uma crise bancária generalizada, que inclusive pega os bancos alemães em cheio, visto que eles, mais ou da França, foram os grandes financiadores da expansão do Euro, com os países em crise, com grande inadimplência, os pagamentos das dívidas secaram, apena na Grécia, os bancos franceses podem perder 50 bilhões de Euros, ou da Alemanha quase 60 bilhões, os bancos dos dois países detinham 66% das dívidas gregas.

A primeira notícia que confirma a força e o poder de atração da Alemanha, no fim do ano passado ela já emitia títulos de sua dívida com juros negativos, descontado a inflação, com validade de um ano. O Financial Times, em julho de 2012, dizia numa reportagem que os títulos de 2 anos da Alemanha estavam negativos pela primeira vez: “Rendimento dos títulos da Alemanha de dois anos tornou-se negativo pela primeira vez, e os custos de Berlim de empréstimos de 30 anos  caiu abaixo dos do Japão, os investidores buscaram refúgio em ativos mais seguros da Europa sobre a preocupação que os políticos foram incapazes ou não para conter crise  da dívida na região”.

O que bem observa Silvio Guerra Crespo, no Estadão, dias depois que ”Os investidores aceitam comprar títulos alemães mesmo sabendo que vão perder poder de compra porque temem que, em outros países, o prejuízo seja maior. Ao mesmo tempo em que os papéis alemães reduzem os juros, aqueles emitidos por nações da chamada periferia europeia aumentam. A situação se agravou recentemente porque o banco espanhol Bankia, terceiro maior de seu país, anunciou que precisará de uma ajuda pública de 19 bilhões de euros, mas o fundo do governo que poderia resgatá-lo tem apenas 9 bilhões”.

Mas por outro lado o governo alemão sabe que a antiga lógica de exportação de capitais, que consistia numa equação simples: 1) Governo faz acordo comercias, por exemplo, em Telecomunicações com a Grécia; 2) A Siemens, empresa alemã, oferta os produtos daquele acordo; 3) Um banco alemão “financia” a venda; Em tese o dinheiro nem saí do país, mas a remuneração aos empréstimos e o pagamento ficam por conta do governo e/ou empresa grega que adquiriu os produtos, a Alemanha ganha nas duas pontas do negócio. Porém com a imensa crise, a inadimplência começa a quebrar o “negócio”.

Celso Ming se mostrou preocupado com a situação, falando da crise geral dos bancos na Europa, ele afirma qie  “O mais urgente é tomar decisões que garantam a sustentação do sistema financeiro. Se um único grande banco afundar, será muito difícil evitar a desestruturação desordenada de toda a área do euro. Foi esse quadro que levou o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, a advertir na quinta-feira que a estrutura do euro está ficando insustentável. Essa é, por si só, uma declaração grave demais, feita pelo principal guardião da moeda. E ele fez também a mais contundente crítica à letargia das autoridades do euro desde sua posse em novembro. Afirmou que as meias medidas e os adiamentos sucessivos de decisões por parte dos chefes de governo vêm agravando a situação”.

Depois, amiúde, fala dos bancos alemães que “rejeitaram todas as propostas na direção de uma centralização da atividade financeira e da criação de esquemas conjuntos de garantias bancárias, destinadas a evitar a corrida aos depósitos e o colapso do sistema financeiro da área. Mas parece inevitável que sejam tomadas atitudes que acelerem a recapitalização dos bancos mais expostos, que protejam os correntistas e que garantam supervisão bancária centralizada que se sobreponha à dos organismos nacionais encarregados dessa função”. Por fim, momento de humor, seu coração liberal fala mais alto, escorreu uma lágrima:  ”Os bancos são instituições frágeis. Tomam emprestado a curto prazo e reemprestam os mesmos recursos a longo prazo. Uma forte anomalia, como a quebra de um elo do sistema, pode provocar uma catástrofe. Se esse início de corrida aos bancos não for imediatamente estancado, pouco adiantarão providências destinadas somente a tirar a economia da recessão”. (Grifo nosso)

 

A Crise das Dívidas travou a Alemanha

A força da Alemanha encontrou seu limite na crise bancária, consequência da crise das dívidas soberanas impagáveis, Os números das dívidas gregas e espanholas com os bancos, especialmente alemães e franceses comprovam como funcionou o modo de agir das maiores economias, assim como também, porque seus dirigentes não querem a ruptura da zona do Euro, nem de Grécia e muito menos da Espanha. Algo assim seria tiro no pé, pois a banca dos dois países tem muito a receber, em particular destes devedores.

É como diz Paul krugman, citando George Soros , “A argumentação dele(Soros) a respeito da bolha do euro é particularmente sólida. Eu explicaria o fenômeno nos seguintes termos: por acaso, o euro foi criado num momento em que a economia alemã estava estagnada. Então, o euro fez com que os investidores acreditassem que o sul da Europa era seguro, provocando uma imensa queda nos juros alemães. Isto acabou levando à entrada de um imenso volume de capital; o lado positivo desta entrada foram grandes déficits comerciais, cujos equivalentes eram grandes superávits alemães – exatamente aquilo que a Alemanha precisava. Todos ficaram felizes! Durante alguns anos. Então, a bolha estourou, levando à crise que vemos hoje”. (Paul Krugman, ”Soros sobre o Euro”, 05/06/2012).

A exposição dos bancos alemães e franceses diante de Grécia

Nada mais, nada menos que 66,5% da dívida grega é com bancos alemães e franceses. Daí a voz única de pressão para que a Grécia faça seu ajuste, aplique o plano de Austeridade. O Montante total da dívida levaria os franceses a perderem 50 bilhões de Euros, os alemães mais de 40 bilhões. Neste gráfico abaixo a soma de dívidas públicas/privadas da Grécia e seus credores:

  Os números da dívida espanhola, feito pelo jornal Le Monde, reproduzida no Radar Econômico do Estadão :   

A dívida é distribuída, mas os bancos alemães perdem 3,5 vezes mais que na Grécia, e um calote levariam as perdas a quase 150 bilhões de Euros, lembrando ainda que se trata apenas da dívida pública, quando somados aos números da dívida privada o rombo mais que dobra.

O editor do Radar Econômico, Silvio Guedes Crespo, faz importantes observações, que são bastante similares as minhas, que venho fazendo há tempos, no nosso blog. Elas ganham mais força, por se tratar de um jornal ligado ao capital, não restando dúvidas seu compromisso em defender o sistema, mas são inegáveis os movimentos do Capital. Vejamos o que nos conta ele, sobre estes gráficos, “Os números mostram como a crise da dita periferia europeia na verdade está diretamente relacionada às maiores economias da região. A indústria da Alemanha se beneficiou enormemente com a criação do euro, que facilitou as exportações do país para os demais membros da região. Ainda, os bancos alemães aumentaram sua presença em países como a Espanha, onde se formou uma bolha imobiliária cujas consequências agora ameaçam toda a Europa. Números como esses mostram que o euro criou uma relação de interpendência na região de tal forma que os países beneficiados pela moeda única não podem ignorar os problemas daqueles que estão se dando mal. Apesar de às vezes parecer que o euro pode ruir – quando, por exemplo, se especula sobre a saída da Grécia da eurozona – outros fatos mostram ser provável uma união maior entre os países, sob pena de serem puxados para o buraco junto com a periferia”.

 

A Parada da Economia Alemã

 

A Alemanha, de tanto forçar a barra, punindo de forma impiedosa seus parceiros da UE, começou a pagar o preço da política recessiva que impôs a eles, via Troika. Os números dos últimos trimestres de 2012 e a perspectiva do próximo (2013), já mostra que a máquina poderosa vem trabalhando em ritmo lento. Há muito tempo alertamos para os limites da política de austeridade, que ela poderia volta feito bumerangue para quem a lança, não há como escapar dos seus efeitos negativos.

A irracionalidade de uma política que privilegiava os imensos superávits comerciais e na balança de pagamentos, mostrando que o tamanho do déficit do sul europeu equivalia em exatidão aos gordos lucros alemães. Apenas Espanha, tem um déficit de balança com a Alemanha em mais de 300 bilhões desde lançamento do Euro, somados todos os países da UE esta riqueza alemã supera a 1 trilhão de Euros, com seus parceiros. Mas, se prefere acreditar no Mito de que a Alemanha fez seu ajuste, seus sacrifícios, encobrindo a realidade, que estes esforços só obtiveram sucesso devido ao grande desequilíbrio comercial dentro da UE.

Segundo, Jamil Chade, o excelente correspondente do Estadão em Zurique, a máquina está parando, pois “a crise dá claros sinais de contaminar a Alemanha da chanceler Angela Merkel, já fazendo a Europa registrar a maior retração de sua atividade industrial desde o auge da crise, em 2009. A publicação de estatísticas nesta quarta-feira por diferentes institutos europeus indicou que a recessão na zona do euro no final de 2012 pode estar se aprofundando e que uma recuperação esperada para 2013 poderia levar ainda mais tempo para ocorrer. No último trimestre do ano, a projeção é de uma contração do PIB europeu de mais de 0,5%”.

O que coloca em pânico o restante da UE, e tem como centro dos debates entre os economistas apontando como “grande preocupação se refere à Alemanha e às indicações de que o país poderia estar caminhando para uma estagnação, o que afetaria toda a Europa. A confiança empresarial alemã registrou ontem a maior contração em mais de dois anos”. Jamil diz que “As nuvens sobre a economia alemã estão se escurecendo,” alertou Hans Sinn, chefe da Ifo, a agência que promove o levantamento sobre o sentimento empresarial na maior economia da UE. Outubro, segundo ele, é o sexto mês consecutivo de queda na confiança do empresariado alemão. A redução fez com que o índice chegasse ao nível mais baixo desde fevereiro de 2010. A queda no índice foi inesperada, o que acabou pesando nas bolsas de valores pelo continente. O euro também perdeu força. Ao contrário de vários países da zona do euro, a Alemanha vinha resistindo a crise, em grande parte graças à competitividade de suas exportações.

E o caminho parece claro : “Os riscos de uma recessão na Alemanha estão crescendo”, indicou o banco ING. Depois de crescer 4,2% em 2010 e 3% em 2011, a projeção apontava para uma expansão de 0,8% neste ano. Mas dados da empresa Markit apontaram ontem para uma séria contração da produção industrial alemã, afetando todo o continente. O levantamento indicou que o índice europeu caiu para 45,8 pontos em outubro. Taxas acima de 50 representam uma expansão no PIB e nas atividades industriais dos países. Mas a queda é a pior em 40 meses. De forma inesperada, o índice de atividade industrial na maior economia da zona do euro caiu para 48,1 pontos e a desaceleração mostrou que a crise que está afetando o sul da Europa contamina a maior economia do bloco num ritmo mais rápido que se imaginava”.

O momento não poderia ser pior, pois a Chanceler abriu formalmente o período eleitoral, seu mandato corre o risco de não ser renovado, mesmo sendo favorita, a recessão põe em risco o seu “sucesso”. O carro-chefe de sua popularidade é a fortaleza alemã, sua resistência à crise, mas o cenário mudou e “O temor é de que uma contração da economia alemã volte a jogar todo o continente em um estado de alerta e abafar qualquer tentativa de retomada. Para Tim Moore, economista da Markit, um dos motivos foi a queda das exportações, por conta da desaceleração na Ásia e a redução na aquisição de bens de capital da Alemanha. A redução nas vendas de carros também pesou. A Volkswagen anunciou que seus lucros sofreram uma queda de 20% no trimestre. “A piora constante da situação econômica na Europa ocidental pressionou a indústria automotiva”. Entre julho e setembro(2012), afirmou a montadora em seu relatório financeiro. Para a fabricante de artigos esportivos, Puma, não há outra saída senão começar a cortar custos. No terceiro trimestre, a empresa registrou uma queda de 85% nos lucros. A Siemens já indicou que deve promover novas demissões”.

Era impossível que Merkel e os banqueiros alemães (seus chefes reais) não soubessem do risco que a política imposta à UE por eles, não tivesse retorno, a base da força alemã se dá justamente no intenso comércio de produtos com alto valor agregado e com a UE, o mercado é cativo, para os que são membros. Mas, se boa parte dos países entram em crise, óbvio que a Alemanha também pagará o preço. O problema é que o preço pode ser bem maior, pois o capital alemão, que financiou a ciranda de consumo, agora não tem retorno, o calote grego, português e o provável espanhol, reduz as chances de continuar a retroalimentação da economia alemã.

O castigo pode vir à galope, confirmando a parada, Merkel, será a primeira na linha que será limada, quem sabe, assim, se abra um novo momento de repactuação europeu. As pesquisas nacionais ainda dão a Merkel uma reeleição, mas sem maioria no Parlamento, o trator que ela passou nestes últimos 7 anos estão chegando ao fim. Seu parceiro de armas para imposição da vontade imperial dos planos de Austeridade, Sarkozy, foi derrotado, agora a própria Merkel passa a ter conflitos dentro da Alemanha. Os rumos impostos por ela e seu partido a toda a Zona do Euro, se mostraram fracassados, exceto a Alemanha, ninguém recebeu nada benigno, mas com a recessão apontada agora em maio, pelos dados econômicos, nem ela escapará dos ventos de mudança.

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