Arnobio Rocha Mitologia Jasão, Medéia e os Argonautas

827: Jasão, Medéia e os Argonautas


A fuga de Jasão e Medeia

A fuga de Jasão e Medeia

“Estamos perdidos, se ao mal antigo juntamos um novo, antes de aquele ter murchado.” (Medéia  – Eurípedes)

A origem de Jasão

 

Jasão era filho de Esão, rei de Iolco, porém seu pai teve o trono usurpado pelo meio-irmão Pélias. Ainda criança, Jasão , foi viver no exílio, período em que foi cuidado pelo grande Centauro Quíron, o preceptor de grandes heróis, como Aquiles, o maior herói grego da guerra de Tróia. Completado seu treinamento, ou seu rito iniciático, o herói retorna a Iolco para reivindicar seu trono.

Pélias, ao ver o sobrinho, fica assombrado, pois uma antiga profecia dizia que um jovem tomar-lhe-ia o trono. Usando de um ardil propõe ao sobrinho que este lhe traga o Velocino de Ouro. Que se assim o fizesse teria seu trono sem luta e demonstraria sua grandeza. Jasão convoca em toda Grécia homens e heróis dispostos a uma longa viagem em busca do Velocino de Ouro. Rapidamente cinquenta e cinco heróis se apresentam para aquela grande aventura, cheia de perigos, mas com certeza, seus feitos seriam cantados em toda Grécia.

O Velocino de Ouro fora dado por Zeus a Frixo, que seria sacrificado junto com seu irmão Hele aos deuses, como forma de atendimento de um oráculo. Hele caíra no mar formado o Helesponto. Quanto a Frixo de posse do carneiro de ouro viaja até a Cólquida lá é recebido por Eetes, rei da cidade e recebe Calcíope, filha do rei, como esposa. Frixo sacrifica o carneiro de ouro a Ares, guardando a pele numa árvore, protegida por um dragão.

Os Argonautas

Jasão comandou a mítica Nau chamada Argonauta, ou marinheiros de Argos. A saída para grande aventura rumo à Cólquida acontece em volta de grandes festejos. O barco saiu de Pasaga na Tessália, levando grandes heróis na aventura, além de Jasão, que contava com apenas 20 anos de idade, foram seus companheiros Herácles (Hercules), Castor e Pólux os gêmeos irmãos de Helena e Clitemnestra. Zetes, Cálais, Polifemo, Admeto, Cefeu. Argos fora o construtor do Navio e Tífis, ensinado por Palas Atená, era seu piloto. Orfeu além de cantar para ritmar as remadas, também usará sua bela voz para combater as canções de sedução no mar das Sereias.

A longa viagem leva os Argonautas a muitos portos, entre os quais a ilha de Lemnos, cujas mulheres tinham matado todos os maridos, os heróis deitaram com elas e produziram novos filhos. Passaram pela Samotrácia e lá os Argonautas participaram dos ritos iniciáticos aos mistérios da Cabiros, que são os ritos de proteção aos marinheiros.

Ao chegar à Trácia eles foram recebidos por Fineu, o cego que era admoestado pelas Harpias, eles a mataram, libertando o rei, que em agradecimento  deu-lhes todas as instruções de como atravessar as temíveis Ciânes, os Rochedos Azuis, também conhecidas como: Sindrômades ou Simplégades. A mítica travessia do Bósforo, Helesponto, seria cumprida pelos Argonautas.

A conquista do Velocino de Ouro

Depois de muito navegar, Jasão e seus companheiros, finalmente aportam na Cólquida. Jasão se apresenta na corte de Eetes, falando qual o objetivo daquela empreitada. O rei refletindo sobre o estrangeiro concede-lhe o direito de ter o Velocino de Ouro desde que ele vença uma dura prova, que era impossível de cumprir. Eis o desafio dado ao Herói: “pôr o jugo em dois touros bravios, presentes de Hefesto a Eetes, touros de pés e cornos de bronze, que lançavam chamas pelas narinas e atrelá-los a uma charrua de diamante; lavrar com eles uma vasta área e nela semear os dentes do dragão morto por Cadmo na Beócia, presentes de Atená ao rei; matar os gigantes que nasceriam desses dentes; eliminar o dragão que montava guarda ao Velocino, no bosque sagrado do deus Ares.” (Junito de Souza Brandão)

A filha do rei Eetes, Medéia, perdidamente apaixonada por Jasão, se encontra secretamente com ele e com seus poderes mágicos promete ajudá-lo, desde que ele a leve para Europa. Jasão, desejoso de cumprir sua missão, concorda com a ajuda de Medéia. Recebe dela um bálsamo que o torna invulnerável ao ferro e ao fogo, ela o aconselha ainda que, ao nascerem os gigantes dos dentes de dragão, deve jogar uma pedra em um deles, fazendo parecer que fora o outro, ambos entrariam em luta até a morte. Por fim, Medéia, fez adormecer o dragão que protege o Velo de Ouro. Jasão o mata durante o sono.

Perplexo com o cumprimento da tarefa, pelo estrangeiro, sem desconfiar do ardil, Eetes, recusa-se a permitir que Jasão se vá e leve o Velo. Preso nos muros da cidade, mais uma vez, a determinada Medéia ajuda-o. Sequestra o próprio irmão e foge com Jasão. Eetes percebe a fuga e convoca seu exército para persegui-los. Medeia para atrasar a perseguição do pai, mata o irmão, o despedaça, depois vai jogando cada parte dele num lugar. Eetes perde grande tempo, juntando os pedaços do filho, facilitando a fuga dos Argonautas.

O retorno para Iolco

 

A viagem de retorno é extremamente acidentada, os crimes cometidos por Medéia revolta os deuses, apenas Hera a protege. A nau passará por vários e assombrosos perigos, saindo da Cólquida (Geórgia), atravessa o Mar Negro, navega pelo Danúbio até o Adriático, mas a ira de Zeus faz com a Nau se perca no mar acaba chegando rio Erídano (Pó) e Ródano por fim desemboca no Mediterrâneo, aí chegam às costas da Sardenha.

Na ilha de Eéia, a ilha de Circe, a feiticeira, tia de Medéia, ela a recebe, purificando-a, para que assim continuem a viagem, Circe se recusa a receber o impuro Jasão. Refeitos, eles parte rumo a Iolco, passam pelo mar das sereias e graças à voz de Orfeu, não enfrenta problemas, mas uma nova tempestade os joga para costa africana. Depois ainda enfrentam Cila e Caribdes. Para chegar a Grécia, primeiro  aportam em Creta e os heróis livram-na do gigante Talos que espalhava medo a Ilha de Minós. Depois vão direto a Corinto e consagram a Nau ao Deus Posídon.

O retorno a Iolco com velo de ouro é a garantia da devolução do trono por Pélias ao sobrinho Jasão, porém mais uma vez o rei se recusa a cumprir a promessa. Medéia usando de suas artes mágicas convence as filhas de Pélias de que podem rejuvenescê-lo, desde que o cozinhe com determinadas porções que só ela tem.

Para demonstrar seu poder mágico, Medéia, pega um velho carneiro e o corta em vários pedaços, joga-o num caldeirão, surgindo dele um belo cordeiro. As filhas de Pélias ficam convencidas doo poder mágico e apresentam ao pai milagre, este desejoso de juventude para combater o sobrinho, aceita. Claro que as filhas só percebem o ardil quando o pai já se acha morto. Acasto, filho de Pélias assume o trono de Iolco.

Mais uma vez Jasão e Medéia têm que abandonar uma cidade. Eles se exilam em Corinto, sendo bem recebidos por Creonte (não confundir com o outro Creonte, de Tebas, irmão de Jocasta), passam a viver tranquilamente nos arredores da cidade, criando seus dois filhos. É desta parte que se inicia a famosa tragédia Medéia de Eurípedes.

A traição de Jasão a Medéia

Creonte já envelhecido e  não tendo sucessor ao trono de Corinto resolve oferecer a Jasão sua filha Glauce (ou Creusa) em casamento, para isto ele tem que repudiar Medéia. Jasão sem pensar muito aceita prontamente a oferta, assim cumpriria o destino de ser rei.

Desolada e mortalmente ferida pelo abandono, Medéia, prepara novos ardis para amaldiçoar a traição do marido, a quebra da jura de amor. Medéia apela para sua mãe à deusa da noite sombria, Hécate. Medeía tece um lindo véu e uma tiara e manda que os filhos ofereçam a futura esposa de Jasão, numa forma de demonstrar que aceitava o novo enlace do marido. Assim decide e pensa: “Se ela aceitar estes atavios e com eles se engalanar, perecerá horrivelmente e, com ela, quem a tocar: tal o poder dos venenos com que ungirei meus presentes” (Med,787-789)

Irrefletidamente a jovem encantada com a beleza do véu e da bela tiara, veste-o e põe à tiara na cabeça, rapidamente ambos pegam fogo, o pai tenta ajudar a filha, mas a maldição dos objetos afeta qualquer um que o toque. Creonte morre queimado junto à filha, seu palácio se incendeia. A população se revolta contra Jasão e sua ex-mulher.

Medéia, ainda não satisfeita, mata os próprios filhos, no templo de Hera, sua protetora, em suas palavras: “Mas aqui mudo minha maneira de falar e gemo sobre o que terei de fazer a seguir: matarei meus filhos queridíssimos e ninguém pode salvá-los. E, quando tiver aniquilado toda a família de Jasão, sairei desta terra, expulsa pelo assassinato de meus filhos queridos, e pelo crime horrendo que tiver ousado cometer.”(Med 790-796)

Medéia foge para o exílio mais uma vez, vai viver em Atenas sob a proteção do juramento de Egeu. Lá acaba encontrado o seu funesto destino. Uma variação de o seu mito dar conta que ela volta para Cólquida e ajuda o seu pai a retomar o trono perdido, para o irmão Perses, nesta versão Medéia não morre, ela é transportada para ilha dos bem-aventurados (ou Campos Elísios) tornando-se esposa do Herói Aquiles. Em suas palavras encontramos a sua melhor definição:“a paixão é mais forte em mim do que a razão” (Med 1079)

Quanto a Jasão se une a Peleu que era inimigo de Acasto, e com a ajuda dos Dioscuros (Castor e Pólux) seus companheiros no Argonauta, derrotam as tropas do rei e destroem a cidade. Jasão assume o trono da cidade destruída, mas atormentado pelo passado, abandona o trono entregando-o ao seu filho Téssalo. Durante o sono sob o Argonauta acaba morto com a queda de uma viga que se desprende da nau.

O que seriam Jasão e Medéia?

 

Os atos heroicos incompletos de Jasão tornam-no conhecido como herói indeciso e vacilante, incapaz de cumprir seu destino. Desde abandono de Hipsípila, rainha de Lemnos, grávida de gêmeos, quando ainda do início da viagem à Cólquida, com a promessa de retorno, jamais cumprida. Até a quebra da jura de amor a Medéia. Passando pelo erro grave de aceitar a ajuda de Medéia na tarefa que era sua, a conquista do Velocino de Ouro, não foi uma tarefa verdadeiramente heróica.

Sua união à atormentada Medéia, que representa as forças ctônicas das antigas deusas orientais, compõe o quadro da tragédia dos dois personagens. Atados por destinos funestos, apenas Medéia efetivamente foi o que sempre a natureza esperava dela, seus ardis fazem parte do seu ser. Medéia é a personificação de divindades orientais que chegaram à Grécia, mas que perderam força no culto, mas permaneceu viva na memória, na psique do povo.

Em oposto, Jasão, cuja natureza de Herói não se cumpriu plenamente. Seu legado mitológico é a primeira viagem do ocidente ao oriente, feito depois repetido na guerra de Tróia. A navegação marinha tem em Jasão seu primeiro capitão do mar e o Argonauta o primeiro barco. Os heróis portugueses lembravam os Argonautas quando vieram à América. Assim como a conquista do espaço é parte desta mesma tradição, que fincou suas pegadas no inconsciente coletivo.

Recomendação

Este post foi publicado originalmente em 19 de Julho de 2011, agora recorrigido e ampliado.

  1. Alguns links interessantes sobre Jasão e Medéia: O Livro  Euripedes – Medeia
  2. Maria Callas interpretou Medéia no cinema em 1969 de Pier Paolo Pasolini (grande filme)

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