Arnobio Rocha Crise 2.0 Os Ventos da Ucrânia: Golpes e Fascismo.

1036: Os Ventos da Ucrânia: Golpes e Fascismo.

 

Manifestantes agora protegem prédio público ( foto: Darko Bandic/AP )

Manifestantes agora protegem prédio público ( foto: Darko Bandic/AP )

Por mais confusa que possa parecer a situação da Ucrânia, nestes últimos dias publiquei três artigos tratando da questão (À Busca pelo CAOS , Golpe de Estado na Ucrânia, O que virá depois?  e A Luta entre os Fascistas pelo Poder na Ucrânia). Estou tentando montar uma ideia e uma visão sobre o que acontece na Ucrânia para ver quais as implicações para o mundo, que tipo de luta se estabeleceu lá e os seus reflexos nos demais países, em especial no Kosovo, na Venezuela e até no Brasil. De início, deixo minha posição explícita: Não acredito em “Revolta Espontânea” em máscaras e “revoltas digitais”, no fim sempre aparecerá os verdadeiros atores que puxam “as cordinhas”.

Desde as revoltas no Egito e Tunísia se costumou ligeiramente atribuir às Redes Sociais um poder que balança o poder formal e derrubam governos, como algo espontâneo e por “geração espontânea” fazendo varrer do mapa antigo poderes de fato. Uma constatação óbvia é que estes países viviam sob ditaduras, regimes autoritários e com ampla influência religiosa nos costumes. Havia um ambiente favorável para revolta, pela liberação de forças e queda de regimes, sem dúvida a comunicação rápida ligada às condições objetivas determinaram o ritmo e a velocidade de queda dos regimes.

Entretanto, é preciso constatar também que as mudanças foram controladas pelo poder real, não pela “democracia direta” ou digital como muitos alegaram, basta ver a situação atual tanto do Egito, quanto da Tunísia, novos regimes totalitários se formaram com apoio dos EUA. Semana passada, segundo o portal G1, o “secretário de Estado americano John Kerry fez uma visita surpresa nesta terça-feira (18) àTunísia para demonstrar seu apoio à transição democrática no país precursor da Primavera Árabe”. Diz ainda que “a Tunísia teve um ano de 2013 conturbado, marcado pelo assassinato de dois opositores de esquerda e pelas mortes de dezenas de soldados e guardas em ataques atribuídos a jihadistas”. E que “o partido islamita Ennahda venceu as primeiras eleições após a queda do presidente Zine el-Abidine Ben Ali, em janeiro de 2011. A Tunísia foi o berço da série de movimentos de contestação chamada de Primavera Árabe, que sacudiu vários países do Oriente Médio e do Norte da África, derrubando líderes autoritários que estavam há décadas no poder (…) Mas a instabilidade política obrigou o governo nascido da revolução a entregar o poder nos termos de um acordo negociado a duras penas”.

A tal primavera árabe chegou a Europa via Turquia e seu duro regime, que vive uma contradição entre ir à UE e as tradições religiosas, que acaba se traduzindo em pouca liberdade política e de costumes. Ou seja, uma base objetiva para revoltas, principalmente entre os jovens. Mas o apoio externo também se revelou contraditório e não definitivo, ficando no meio do caminho, o que não prosperou a “revolução espontânea”, a localização estratégica e política não permitiu um maior avanço, serviu mais como um “teste” de governabilidade.

O que em parte não diferiu do teste de estresse brasileiro dos idos de junho de 2013, sobre o tema Brasil tenho uma série de publicações caracterizando aquele momento, seus atores e objetivos, não vou repetir, neste artigo, quem tiver interesse, alguns posts dizem exatamente o que penso sobre a questão: A Psicologia de Massas do Fascimo – Ou, o Gigante Acordou ,  A Escatologia do “Novo” e Batman vs Bane ( O Gigante Coxinha?).

A questão da Ucrânia é bem mais complexa, o país vive 10 anos de revoltas, de mudanças e quedas de governos, de eleições fraudadas, além de um legado histórico de sua divisão regional, parte dela com identidade, língua comum com a Rússia e parte que fez parte do império austro-húngaro e identidade com a Polônia. Mesmo depois da queda da antiga URSS, a Ucrânia viveu estas imensas contradições de se afastar ou não da influência do Kremilin, de se aproximar da UE. Sua posição estratégia, quase uma barreira entre a Europa e Rússia, e seus domínio no Mar Negro sempre lhe garantiram uma imensa importância, mais ainda sendo a passagem do gasoduto russo que abastece a Europa.

Desde 2004, a instabilidade política é a tônica, mesmo com dois governos distantes da Rússia, a UE jamais deu um aceno claro de que daria suporte financeiro à crise ucraniana, que se aprofundou muito nos últimos anos. Como disse Seumas Milne, do The Guardian, que “a participação na UE nunca foi oferecida à Ucrânia, que provavelmente jamais será”. No desespero, em 2013, o Presidente Viktor Yanukovich acabou por aceitar uma oferta russa de aporte de 15 bilhões de Euros para “salvamento da economia”, desde que nenhum acordo fosse feito com a UE. A oposição de ultra-direita que já se preparava para um golpe desde maio de 2013, com frequentes visitas de seus líderes à Alemanha e Polônia, encontrou o estopim para a revolta, segundo alguns, “espontânea”.

Em menos de três meses, o governo de Viktor Yanukovich, foi esmagado, mesmo fechando acordos, caiu imediatamente após assinatura de uma trégua que anteciparia as eleições, diminuiria o poder do Presidente, formação de um governo de unidade nacional até as eleições. Entretanto, no Parlamento e na Praça da Maidan, tal acordo foi ignorado. O Palácio do Governo foi invadido e o Presidente fugiu vítima de um golpe de Estado. Imediatamente, Alexandr Turchinov, líder do Parlamento e aliado da ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko, foi nomeado presidente interino do país.

Mas a caça ao ex-presidente e de qualquer lembrança da ex-URSS se intensificou, segundo o site Opera Mundi: “O “Soldado Soviético”, monumento erguido na Ucrânia em lembrança às tropas que lutaram contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial, foi derrubado neste domingo (23/02) na região oeste do país. O ato foi realizado por opositores ao presidente Viktor Yanukovich e ligados à ultradireita europeia. O objetivo, segundo os próprios manifestantes, é “limpar símbolos da União Soviética”. “Nós não somos a Rússia nem soviéticos”, cantavam durante o protesto”. O partido comunista local foi declaro ilegal, a embaixada de Israel pediu ao judeus para se protegerem pois estão sendo vítimas de perseguição dos neonazistas. Segundo a RTP “A Agência Judaica, a maior organização judaica sem fim lucrativos do mundo, enviou fundos para ajudar a garantir a segurança da comunidade judaica da Ucrânia, estimada em 200 mil pessoas, na sequência dos protestos dos últimos meses”.

Na Carta Maior, Flávio Aguiar, escreveu o editorial  O que houve na Ucrânia?, em que afirma categoricamente que “Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular”. E na mesma linha que trabalhamos, diz que “Tudo começou com uma série de manifestação empilhadas umas sobre as outras: uma juventude ansiosa por se identificar com a União Europeia, uma classe média cansada pelas sucessivas vagas de corrupção dos sucessivos governos, uma insatisfação com o autoritarismo e o fechamento do governo de Viktor Yanukovitch, o desejo de maior ascendência de grupos do oeste do país em detrimento de grupos do leste do país”.  Ele elencar a economia do país e as divisões como fundamental para o processo de revolta.

Lembra ainda “a gôta d’água acabou se transformando num mar de sangue. É verdade que as manifestações foram reprimidas duramente pela polícia. Mas rapidamente sua linha de frente e também seu espaço foram ocupados por movimentos de extrema-direita, nacionalistas xenófobos, antirrussos, anti-direitos humanos, anti-imigrantes, antissemitas, anti-etc., tradicionais na Ucrânia. São grupos de combate, armados, que fizeram frente a uma polícia que progressivamente foi se tornando caótica e desorganizada. Estes grupos são ligados, mas não necessariamente subordinados, ao Partido Svoboda, de extrema-direita, que tem representação no Parlamento. Na última semana os confrontos chegaram ao paroxismo”. 

As eleições de maio, se houver, terá como principal nome Yulia Tymoschenko, mas assim como em 2004, em que ela se tornou a “estrela”, sendo primeira-ministra do desastrado governo de Viktor Yuschenko, em que disputaram o poder e acabaram por perder as eleições de 2010. Agora ela terá ao seu lado, ou contra si, Vitali Klitschko, do Partido Democrático Aliança pela Reforma, o extremista Svoboda que aumentou seu poder de fogo durante as manifestações e o Golpe. Nada garante uma transição para democracia, muito pelo contrário. Parece-nos que a divisão, uma yuguslavização, é o caminho que se aponta, a Criméia que ser parte da Rússia, ao leste há um processo de separatismo rumo à Polônia e à UE.

Os ventos da Ucrânia, mesmo com toda a confusão interna, já estão sendo “trabalhada” pelos manifestantes “espontâneos” mascarados do Brasil, que entoavam cantos em alusão a queda do presidente lá, que se repetiria aqui. Óbvio que isto não passa de uma bazófia, mas não nos esqueçamos que há um claro centro difusor destes movimentos, de um sincronismo de métodos, com a colaboração “inocente (in)útil” de parte da esquerda e da extrema-esquerda, que parece preferir um governo de direita antidemocrático do que um governo petista. Mas, antes, penso que o novo “teste de estresse” será a Venezuela, um cenário mais uma vez talhado para este tipo de ação/confusão.

Mais uma vez nos perguntamos: O que virá depois?

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