Arnobio Rocha Diário de Redenção Diário de Redenção – Dia 7 – O Descanso Final

Diário de Redenção – Dia 7 – O Descanso Final


Luz dos olhos e sorriso, nada nos fará esquecer.

“puluis et umbra sumus” (somos pó e sombra – Horácio)

O D’us de Abrão, o pai de tantas religiões, fez sua obra e no sétimo dia, descansou. É esse dia final em que a humanidade tem para contemplar o que fez nos dias anteriores, é o dia em que as energias são renovadas, o ciclo da criação, vida e morte, encontra no sétimo dia o seu termo, em que nenhum de nós vai escapar, pois é essa a única certeza de quem vive, que um dia ele vai partir.

A pouca energia que nos sobrou foi para escrever esse último artigo, talvez as linhas mais difíceis de sair, não é falta de inspiração, ao contrário, é excesso, pois tenho tantas coisas boas para contar e não conseguirei aqui nesse momento. Esse artigo é para aliviar a dor, não a nossa, mas daqueles que sofrem, que se penalizam conosco, que estiveram presentes de alguma forma aqui na vida dela e nossa.

Tivemos o privilégio, o que os que creem falam em “benção”, de ter feito a maior turnê de despedidas da história, não só do rock, mas da alegria (laetitia). Imaginem que vivemos 8 anos, cinco meses e 7 dias de dias intensos, de tantas coisas felizes, como se não houvesse amanhã, pois na verdade não há.

O que parecia um mal terrível, a Leucemia, se transformou numa longa história de realizações, atos de heroísmos, engraçadas, de superações incríveis e inacreditáveis, que nós, a nossa família, foi coadjuvante do brilho da Letícia, da enorme afirmação de mulher e de serenidade. Ela fez TUDO o que poderia fazer, e fez, jamais a doença foi impeditivo dela ser feliz e plena.

A história dela não terminou ontem, muito pelo contrário, aquilo foi uma passagem para o sempre, será eternizada na memória de tanta gente, de quem nem a conheceu, de quem não teve a sorte de mirar nos seus olhos, de ver a profundidade dela, tão intensos, completava com um enorme sorriso.

Ela pode se tornar exemplo para quem não tem nenhuma esperança, de como viver sob uma ameaça, mas que tinha um otimismo que parecia que nada a abalava, o medo da morte a fez mais forte, decidida, um pequeno exemplo dessa mulher empoderada.

Em 29 janeiro de 2015, quando teve a doença pela segunda vez, na sala com a médica, a querida Dra Maria Teresa de Assis (Teti), quando a irmã chorou, nós, Mara e Eu, ameaçamos chorar, ela olhou e disse: “parem de chorar, a dor é minha, a doença é minha, não quero ninguém triste ao meu lado”. Aquilo foi um soco na cara para nocautear os mais moles.

Naquele tratamento, ela sobreviveu a quatro induções em 3 meses e meio, foram doses cavalares de quimioterapia, que era “zero ou um”, viver ou morrer, lá estava ela, carequinha, firme, aqueles seis meses iniciais do terceiro ano dela, foram da rotina de hospital-casa-hospital, internações, quimioterapia, não teve uma única febre, era algo incrível demais.

Ao final de 2015, ela fez ENEM, FUVEST e UNIFESP, mas já tinha decidido, que queria USP, Odontologia. Passou, obviamente, além de conseguir vaga na UFABC e nos classificáveis de medicina da UNIFESP, que ela me pedia, não olhe, pois se chamarem, não irei, a mamãe ficaria chateada, pois pode pedir que faça medicina, quero Odonto. Ela era assertiva, queria Odontologia, na USP e pronto, foi lá e fez..

Foi feliz todos os dias na USP, ia com a cara de realização, mesmo em tratamento, jamais perdeu aulas, não se deixava vencer, curso integral. Aprendeu a dirigir, tirou habilitação, não podia ter mais orgulho de vê-la indo para faculdade, nos primeiros meses ia com ela todos os dias para pegar confiança na direção, aqueles foram os melhores momentos da vida, a autonomia completa dela.

Temos tantas histórias, só posso ser feliz, por tudo que recebi, nada a reclamar, não tenho como ter raiva, sentir injustiçado, nada, fomos plenos, poderia ser mais? Ah, isso não garantiria o quanto fomos felizes concentradamente.

Filha, querida, Mara, Luana e eu, vamos honrar seu legado, todos os dias, até chegar o nosso dia de ir, sem um único dia, lembrar de sua enorme existência, como foi amada pelo seu Vini, por todos os seus amigos, do Bello Bambino, Rosário e USP.

Obrigado, Letícia.

PS: Letícia fez de tudo com muito brilho: Excelente aluna no Bello Bambino, depois no Rosário e na USP, sempre com destaque e reconhecimento, sempre compartilhando seus conhecimentos com os amigos, jamais foi egoísta, era a alma comunista no DNA

PS: Fez teatro no Rosário, fez curtas, foi apresentadora dos curtas, foi apresentadora das festas e foi homenageada na conclusão, era esse seu caminho na USP, interrompido, infelizmente.

PS: Fez uma participação no filme “O Vendedor de Sonhos”, graças ao “Make-A-Wish”, foi extremamente bem acolhida pelo Jayme Monjardim, Dan Stubel e elenco. Foi tema de um programa da Sabrina Sato, sobre sonhos.

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10 thoughts on “Diário de Redenção – Dia 7 – O Descanso Final”

  1. Nada mais lindo poderia ser feito hoje: ela realmente merece esta comovente e íntegra homenagem. Ela viverá também em nós como um exemplo. Linda e completa Letícia!

  2. Querido amigo, depois dessa emocionante e forte declaração de amor à vida, só posso te dizer. Sinta-se abraçado. Conformado é para os fracos, você é um forte e teve o privilégio de viver com essa menina maravilhosa que é Leticia. Ficará como incentivo a todos os que passam por momentos difíceis e de dor.
    Que o luto se complete e que a memória e exemplo de determinação e amor à vida sirva para todos nós, amigos e família da querida Letícia. Para sempre Letícia.
    Fiquem em paz.

  3. Nossa!!!!!
    Sem palavras. Quase nunca as tenho, mas o coração gritou aqui
    Linda Leticia… Valente Leticia… está livre e agora é infinita no universo como tinha que ser, tamanha sua grandeza
    Força e paz pra ela, para vc e seus amados!
    Abraços fraternos, camarada querido!

  4. Uma moça admirável, sem dúvida e um pai igualmente admirável, pela grandeza e serenidade com que enfrenta momento tão dolorido, ainda agradecendo a oportunidade da convivência, reforçada, significativa, ‘concentrada’, como vc mesmo define, após a descoberta e desdobramentos da doença.
    Nada a dizer, fora isso, e desejando tudo de melhor a vcs 3 que ficaram e certo de que esse ‘caldo’ de amor e grandeza, visíveis em vc e na Lê, tbém fazem parte da substância da sua esposa e da tua outra menina.
    Um abraço fraterno e carinhoso!

  5. Apesar de não conhecê-la fisicamente, ao ler e acompanhar seus textos, aprendi a conhecer essa menina linda, amada pela família e amigos. Meu coração está profundamente triste com o ocorrido, mas feliz de saber que ela VIVE em todos os corações pelo brilho que sempre irradiou. Deus esteja sempre com vcs!

  6. Que privilégio tê-la conhecido, Arnobio.
    Aliás, a todos vocês.
    As férias aqui em Fortaleza, aquele Natal que passamos com vocês. Tudo guardado na nossa memória.
    Sinto uma dor enorme ao saber que não mais veremos esse lindo sorriso, mas ontem mesmo comentei com o Eugênio que como tudo ocorre a seu tempo, que ela teve a oportunidade de viver tantas coisas boas.
    Um grande abraço e forças para honrar o legado da Leticia.
    Rosiane

  7. Meu querido Arnóbio, meus sentimentos a você e à sua família. Recebam o meu abraço fraterno.
    Letícia hoje é estrela .
    Letícia Rocha, hoje e sempre, presente!

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