1520: Otelo


Otelo e Desdêmona por Muñoz Degrain

‘A noite e o inferno à luz hão de trazer meu plano eterno” (Otelo – W. Shakespeare)

Por razões aleatórias, voltei a pensar em Otelo, fazia tempo que não trabalhava nada naquele universo tão especial e particular. Mas uma questão antes me desperta, o temor comum das pessoas, em achar o bardo inglês, uma leitura difícil, não acessível, é um dos mitos mais tolos, mas que permanece afastando leitores, de algo tão fundamental e profundo, sem que seja complexo, ao contrário.

Os roteiros das trinta e sete peças de Shakespeare são de fácil leitura, os personagens, as tramas, são encontradas no dia a dia, a questão é como vamos compreendendo e entrando num mundo absolutamente surpreendente, de estórias simples, que se tornam profundas, com o tempo de leitura, absorve-se as várias mensagens e um domínio completo dos textos.

A leitura pode ser apenas uma maneira de passar o tempo, para outros, pode criar a necessidade de ir mais além, estudar, reler, buscar ângulos diferentes, perspectivas não vistas na primeira vez. É o que tenho feito, com alguns autores, poucos, entre eles, Shakespeare, nesses quase trinta anos em que perdi o medo e fui ler, peça a peça, daí foi amor, descobertas e mais descobertas.

A repetição da leitura do conjunto de suas obras, algumas delas li todos os anos, sem jamais cansar, é sempre a sensação de que é a primeira vez, um trecho que parece que não conhecia, tudo isso pelo enorme prazer das palavras, alguns para conhecer traduções diferentes, por vezes porque há peças em cartaz e que vale a pena comparar a criatividade de diretores e atores.

Otelo teve adaptações clássicas no cinema, como a de  Orson Welles e a de Franco Zeffirelli (baseado na ópera de Giuseppi Verdi), Depois de longo período, nos anos de 1990, uma boa versão de Oliver Parker, com Laurence Fishburne.

A trama gira em torno de um general mouro (negro) que por sua enorme valentia, é aceito na nobreza e serve ao Doge de Veneza. Por sua fama e história, Desdêmona, filha de um senador se apaixona por Otelo e foge com ele, depois, para desgosto do pai, se casam. Entretanto, as conquistas de guerras e o casamento com uma mulher da nobreza, acaba causando inveja ao seus comandados e enfrenta as terríveis intrigas de Yago, seu alferes.

Desdêmona é uma das grandes personagens femininas de Shakespeare, que tem voz, assim como Ofélia, rompem com a ordem familiar, de uma época, seguem seus sentidos e, para desespero de seus pais, vivem o impossível e improvável, com vivaz inteligência, falas fortes e marcantes. Aliás, Capitu, tem sua criação diretamente ligada à Desdêmona, assim como o próprio Dom Casmurro.

Yago, é o centro da trama, aquele que faz intriga, artimanhas, que se finge de amigo e vai tecendo sua teia, sem que ninguém escape. Sua genialidade, para o bem ou para o mal, está acima do maniqueísmo, a arte que ele domina é conhecer a psiquê de que vive em torno dele, uma incrível capacidade de elaborar, pensar executar, manipular os sentimentos e as fraquezas humanas, sem nenhuma concessão.

Nesse tempo em que há tantas máscaras, alguns desses arquétipos, batem à porta, não sem que possamos reconhecer, aquele ou aquela, falso (a) amigo (a), com aparente desinteresse, o que facilmente pode nos levar ao engano, o que comprova que o conhecimento dessas tramas, pode, ou não, nos ajudar a identificar com mais precisão pessoas e intenções.

O que, em última instância, demonstra que a literatura é o maior patrimônio da humanidade, aqui disponível, acessível, bastar ir e se aventurar.

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