Arnobio Rocha Política Por Que o Brasil Não Segue (ainda) as Revoltas do Equador e Chile?

1578: Por Que o Brasil Não Segue (ainda) as Revoltas do Equador e Chile?


Chile: A revolta contra o neoliberalismo, se alastrará na América Latina?

“O que foi, torna a ser. O que é, perde existência.
O palpável é nada. O nada assume essência”. (Fausto – Goethe)

Os processos históricos não são lineares e não obrigatoriamente se repetem, senão como farsa. É certo também lembrar que eles não acontecem em todos os lugares, ao mesmo tempo, podem ter um lapso temporal e assumir características completamente distintas das que o originou, entretanto, fazendo parte de um mesmo fenômeno histórico comum.

Por volta do final de 2012, nesse espaço, perguntava a mim mesmo e aos meus poucos leitores, por que as primaveras árabes ou primaveras digitais, ainda não tinham aportado no Brasil? Minha melhor resposta, foi que a economia ainda respirava, mesmo com a fadiga dos 10 anos de governos petistas, de alguns escândalos graves, o Brasil ainda se mantivera bem, economicamente, a despeito da Crise Mundial.

Alertava ainda, que desde meados de 2010, o modelo de crescimento se esgotara, que Dilma teria enormes dificuldades nos próximos anos, o que abria a possibilidade de um amplo questionamento sobre o período de governos petistas, portanto, os ventos da nova direita, chegariam. Nem imaginei que seria por 0,20 centavos, mas essas coisas são pelo o que menos se espera.

Dito isso, volto a escrever sobre tendências e pelo que tenho lido de cobranças de o “povo brasileiro, os trabalhadores não reagem a tudo isso que está aí, vejam Equador, Chile, Peru…”. Bem, vamos analisar com um pouco de racionalidade para entender, as razões e o tempo próprio de cada coisa, para evitar maiores frustrações, abatimentos e ilusões com o que pode ou não acontecer.

Equador teve governos populares de Rafael Correa, em que teve como vice, Lenín Moreno, que veio a ser eleito Presidente e rompeu completamente com as bases da “revolução cidadã”, ao contrário, assume um programa neoliberal, na economia, e demagogo na política, cujo tema central é o “combate à corrupção”. A economia entrou em crise e a resposta foi austeridade, o que explica o amplo descontentamento popular.

Vejamos mais, Lenín Moreno é presidente há dois anos e meio, o desgaste é proporcional ao tempo, como também as respostas aos problemas, a paciência da “lua de mel” com o eleito, se acabou, a vida real passa a ter peso, inclusive na capacidade de revolta da população.

O Chile é outro caso em que o aprofundamento de políticas neoliberais, levam o país ao caos, porém é preciso dizer que há uma experiência longa e histórica com esse ideário, como também com o Presidente Piñera. Ele ocupou a presidência entre 2010 e 2014, em 2011, os estudantes puseram em xeque o mandato dele, com a longa greve estudantil, que causou um profundo desgaste e permitiu a volta de Bachelet.

O modelo chileno é vendido ao mundo como exemplar, montado pela sanguinária ditadura de Pinochet, sem que houvesse qualquer liberdade e possibilidade de questionamentos, os planos neoliberais foram impostos, nem os governos de centro esquerda mexeram no fundamental, por falta de força e pela delicada situação de tutela militar, cujo longo período no poder, deixa suas marcas nas instituições.

A volta de direita ligadas ao Pinochet, primeiro em 2010, depois em 2018, também é sob desconfiança, a resistência dos estudantes, em 2011, agora de um movimento mais difuso, que põe em xeque, não apenas a Direita, mas também a coalizão de centro-esquerda. É esse caldo de cultura que foi elevado pela imensa crise econômica em que o Chile está mergulhado, o tarifaço, levou à revolta, sem se saber para onde levará o país,

A Argentina suportou os quatro anos do terrível governo Macri, derrotado na sociedade, o que deve se consolidar nas urnas no próximo domingo. Ao contrário de Equador e Chile, fenômenos mais recentes, as ruas ameaçam varrer os governos neoliberais, os argentinos não derrubaram Macri, mesmo o país mergulhado numa longa crise econômica, tem mais de dois anos.

O que indica que há formas longas de resistências, nem sempre com uma ruptura institucional, ou que o exemplo de 2001, deposto pelas ruas, não se repetiu, quer seja pelo desgaste natural de Cristina Kirchner, ou por falta de perspectiva de que uma nova queda de um governo poderia provocar um caos ainda maior. Acabou sendo mais pragmático esperar o fim melancólico de um governo neoliberal.

Apresentei algumas razões bem objetivas para revoltas de Equador e Chile, e o caminho da Argentina, o que pode nos ajudar a entender a “paralisia” do Brasil.

A primeira questão é que o governo Bolsonaro, é um desastre completo, sob a ótica racional. A figura histriônica do presidente eleito e seu governo a reflete, pois ele convocou um conjunto de ministro medíocres, sem nenhuma experiência administrativa, política e que vivem falando aberrações e repetindo slogans de tão estúpidos, parecem até comediantes, mas infelizmente, não são.

Entretanto o tempo curto, dez meses, somados aos traumas de um recente impeachment, não permitem uma ação mais ampla e decisiva, há um compasso de espera e de incerteza, própria do momento, para não perder a mão, no que procura. O parlamento é um horror, eleito nessa onda neofascista, que assolou o país, mergulhado na escandalização midiática e das fakenews.

A oposição radical ao PT levou a imbecilização ampla, cujos efeitos se sente nas conversas mais elementares, na falta de diálogo e que esse “transe” ainda não acabou.

Por pior que seja esse governo, o tempo inicial de governo, ainda lhe é favorável.

A incompreensão sobre os efeitos deletérios da Previdência, da reforma trabalhista, ainda não é sentida, as pessoas nem entendem direito o que está acontecendo, muitos passam a ter vergonha da imagem que a família Bolsonaro tem passado para o Brasil e para o mundo, mas ainda não suficiente para ir às ruas.

A paciência deve ser o que nos guie, a incrível capacidade de se atolar deles, também. As ações concretas e respostas, ainda são pequenas e tímidas, pois desse lado, há um refluxo e desgaste. O peso de ter saído do governo num golpe mal explicado, o principal líder preso, uma confusão de comunicação e sem um norte claro do que se quer, prejudicam uma reação.

Porém, não custa lembrar, que com tudo isso, Haddad, foi ao segundo turno, teve 45% dos votos, o que indica que há um espaço político de oposição na sociedade, pois no parlamento é um caos, que deve ser aproveitado, não se limitar apenas ao calendário eleitoral, ouvir as demandas e incentivar as iniciativas de lutas e resistências, no campo e na cidade.

A explosão social é iminente, a ponto de explodir, mas não significa que acontecerá, é preciso voltar a ouvir e sentir o que pode efetivamente ser o ponto de ebulição.

 

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