Arnobio Rocha Literatura O Epílogo dos clássicos

2374: O Epílogo dos clássicos


O epílogo é a parte mais dura de uma leitura.

Deparo-me com os velhos livros que cansei de ler, alguns por dezenas de vezes, como, por exemplo, o Hamlet, sempre achando que o lia pela primeira vez, ainda que soubesse de cabeça página a página, ou suas falas, mas o sentir era de novidade nova, surpreendente o que assusta e impressiona , ainda hoje.

Algumas visitas para rememorar de como chegam ao fim, naquele absurdo momento em que somos obrigados a fechar a última página, ler a última frase, cair em transe por tudo que ficou, uma dor pelo fim, sem entender porque não se disse mais, por mais perfeito que seja o todo, tudo o que foi escrito, nosso egoísmo e inconformismo pedem mais…

A lição moral de Hesíodo ao filho, chega ao fim:

Às vezes um dia é madrasta, às vezes mãe.
Feliz quanto aos dias e próspero aquele que, isso tudo
sabendo, trabalhar sem ofender os deuses,
tomando às aves auspícios e evitando transgressões.
(Os Trabalhos e os Dias – Hesíodo)

O castigo de Creonte, o mau intérprete dos desejos dos deuses, provoca a morte não apenas de Antígona, mas de seu filho Hêmon:

A desmedida empáfia nas palavras
reverte em desmedidos golpes
contra os soberbos que, já na velhice,
aprendem afinal prudência.
(Antígona – Sófocles)

Dante, guiado por Vergílio, vence os noves círculos do Inferno, preparando-se, Dante, para uma nova jornada:

Depois da longa caminhada subimos, ele primeiro e eu atrás, passando por uma pequena abertura na pedra, para enfim, rever as estrelas. (Inferno – Dante)

Os dez jovens, livres da peste, retornam às suas casas, depois de suas fantásticas e criativas histórias, durante uma pandemia terrível:

E que as amáveis senhoras, com Sua graça, fiquem em paz e se lembrem de mim, se algum pouco lhes tiver valido a leitura destas novelas. (Decameron – Boccaccio)

Adão e Eva, expulso do Paraíso, vão pelo mundo para gerar a humanidade:

Dando-se as mãos os pais da humana prole,
Vagarosos lá vão com passo errante
Afastando-se do Éden solitários.
(Paraíso Perdido – John Milton)

Os tormentos do Rei velho, ou velho rei, acabam, a generosa partilha não foi compreendida pelas filhas, ao contrário:

Do tempo triste somos os arrimos; digamos tão-somente o que sentimos. Muito o velho sofreu; mais desgraçada nossa velhice não será em nada. (Rei Lear)

O Mouro Otelo, traído pelo seu mais próximo, Yago, induzido ao ódio, perde tudo, mata e morre, nada mais valia:

A vós compete, senhor governador, dar o castigo a este biltre infernal. Marcai o dia, o lugar e a tortura. Oh! rigorosa! De bordo escreverei para o senado, relatando tudo isto, angustiado. (Otelo – Shakespeare)

O amor juvenil, intenso, enganoso e fatal, não sobreviveu em vida, mas se eternizou e vive até hoje:

O sol, de luto, nem quer levantar.
Alguns terão perdão, outros castigo;
De tudo isso há muito o que falar.
Mais triste história nunca aconteceu
Que esta, de Julieta e seu Romeu.
(Romeu e Julieta – Shakespeare)

E na maior e mais sofisticadas de todas as tragédias, aquela em que o personagem se autonomiza, pensa, reflete, vacila, sonha, teme a vida, teme a morte e diz tudo sobre nossa psiquê, nossos dilemas e dores mais íntimas, Fortinbrás o eleva:

Levai os corpos.
Esta cena final
Convém mais ao campo de batalha. Aqui vai mal.
Ide! Que os soldados disparem.
(Hamlet – Shakespeare)

Cada dele conta sobre o que somos e o que vivemos, eles nos mata e nos fazem viver através deles.

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