Arnobio Rocha Reflexões No Meio da Jornada, tinha Dante e a Divina

1881: No Meio da Jornada, tinha Dante e a Divina


Dante e inferno, círculos e ciclos, vidas e mortes.

“Quando eu me encontrava na metade do caminho de nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo” (Canto I, Inferno, Divina Comédia, Dante Alighieri)

Ora, no início da Divina Comédia, Dante anuncia-se no meio da jornada, numa selva escura, cercado de um lado por um loba e no outro um leão. A representação simbólica de que ele se encontrava no meio de sua vida, e as incertezas sobre seu futuro que se aproximava e ali se estava acossado pelos inimigos de um lado e de outro.

Dante nos traz ao seu mundo, suas referências intelectuais, mas principalmente a tortuosa jornada de sua vida, do seu país dividido, de sua cidade, Florença, dividida, o poder secular do papado em confronto com o poder político, que se confundia com as influência das casas poderosas econômicas que escolhiam papas e os políticos.

A vida privada, as lutas, a concepção política de um homem profundamente devoto, que percebe e denuncia a corrupção dos dois mundos que ele vivia e sofria por eles. Os círculos do infernos passam a ter nomes e gentes, a quem Dante combatia, tanto por sua fé, como por suas convicções políticas, os inimigos ferozes a quem enfrentava.

De certa forma, a obra monumental, lida num período caótico da minha vida.

Tinha migrado de Fortaleza para São Paulo, com 20 anos, cheio de sonhos de que a revolução estava ali, bem perto, que a classe operária vivia as condições objetivas, nos faltava a consciência de classe, o fator subjetivo, o partido da revolução.

Três meses depois, caiu o muro de Berlim, um mês depois, Lula perde a eleição para um aventureiro de extrema-direita. Então, olhando daqui, aquele garoto ficou sem referência política, numa cidade de pedras e sem amigos, conhecidos, um desconhecido, trabalhando numa empresa japonesa, um ambiente hermético, o que restava?

Mergulhei numa imensa jornada, por quase 10 anos, caí na leitura dos clássicos literários, de todos, três foram decisivos para minha vida intelectual: Homero, Dante e Shakespeare.

A questão que Dante me propôs era algo inusitado, fora da formação militante à esquerda. Uma luz para o combate de vida e de política, de como sobreviver em condições extremas, de isolamento ideológico, de valores humanos e conjuntura histórica, épocas distintas, ideologias diferentes, mas a mesma luta, capacidade absorver os valores humanos e artísticos, literários, muito além da fé religiosa, dele devoto.

A imersão em Dante, se deu entre março e maio de 1991, durante minha estadia de trabalho em Florianópolis e depois Porto Velho. Cerca de dois meses e meu de leitura, apontamentos, leituras paralelas das indicações que a Divina Comédia traz, para entender as referências, os mitos, os personagens, naquela época sem Google, é procurar nos livros, duas delas fundamentais, Virgílio e Ovídio.

Ler Dante é mergulhar é ser tocado pelo fogo de Prometeu. A estranheza da obra, a linguagem, o discurso indireto, tudo parecia difícil, intransponível, até encontrar o espírito do texto, do que significava, o desafio de entender os conceitos, a localização das polêmicas, rusgas, os sentidos, o que tinha abaixo ou acima do texto.

Hoje, na mesma metade da jornada, vencido o caos da queda do muro, tantos outros muros caíram em 32 anos, Torres Gêmeas, Wall Street,  Maastricht...Tantas vidas vividas, perdidas, sobraram as lições, as viagens oníricas de sempre ao abrir a Divina Comédia, de relembrar os versos, do cheiro do livro e dos locais onde li.

Obrigado, Dante.

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