Arnobio Rocha Estado Gotham City Rascunho: Capítulo do Novo Livro.

1417: Rascunho: Capítulo do Novo Livro.


Albrecht Dürer – Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Livro

O Estado Gotham City: A Ruptura da Democracia e da Política

Capitulo II

 

A Escatologia do “Novo”: Há um novo Sujeito da Revolução?

 

“Religionum animum nodis exsoluere pergo” (Esforço-me por libertar o espírito dos nós das superstições – Tito Lucrécio Caro (De Rerum Natura, I, 932)

Introdução

 

Um conjunto de artigos publicados após as tais “jornadas de junho”, buscavam conhecer e debater aquela conjuntura, aquele “Novo” que surgia, a voltas às ruas de forma massiva, independentemente das suas pautas, gerou energia que poderia ser usada para avançar as mudanças ou, por outro lado jogar o país num aparente caos.

Na época já identificávamos o caráter Golpista, ou que aquela massa seria usada para justificar as saídas golpistas e serviria de base política (rebaixada) para a oposição que era politicamente débil, apenas cacifada pela grande mídia, que passou a contar com os músculos necessários para o Golpe.

É preciso entender que quando se chega ao Governo e não ao PODER, dentro de uma lógica capitalista, fica impossível não se tornar “conservador” de defender o seu governo, as suas ações e conquistas, por mínimas que sejam. É quase um milagre, depois da queda do muro de Berlim, saber que um partido de massas, o PT, que foi forjado no seio da classe trabalhadora, chegou ao governo central de um país continental, imenso, cheio contradições, mazelas e de diferenças culturais, políticas, econômica e social.

Esta última dívida, a Social, vem de uma realidade de inação estatal, que foi se adiando desde as capitanias hereditárias por uma Elite que jamais se fez povo, ou mesmo nação. O déficit era (é) imenso: Educação, Saúde, Saneamento, mas centralmente a Fome e a Miséria Endêmica secular.

A chegada de Lula ao governo central, só foi possível pela agravada crise legada pelo último governo da Elite egoísta, que tinha rifado o patrimônio público e mesmo assim tinha falido o país.

Claro que precisávamos de mais mudanças, os avanços dos treze anos ainda não eram o bastante, se poderia e se deveria ter feito muito mais, entretanto a tentativa de abreviar esta incipiente experiência não poderia ser abraçada como justa. Um setor de “esquerda” metido a “senhores do ativismo” (digital, principalmente) que achava que fazendo média com os “coxinhas” estaria se mostrando mais revolucionário do que outros e parecem que não viram o que se tinha se dado no Egito, Turquia, Ucrânia.

Mesmo tendo um governo de esquerda, vacilante, pusilânime, como os nossos, eles foram anos-luz melhores do que qualquer governo da Direita.  Não é mera coincidência, é corte de classes, mesmo que os cyberativistas não curtiam mais e achassem que não existem classes, a maior demonstração de que existem e que continuam em luta, foi como destruíram todas as conquistas mínimas dos trabalhadores, pois não existe este papo furado de “Capitalismo Cognitivo”, é o velho e bom Kapital.

 

1. Ultraliberalismo

 

Tenho aprofundado o debate sobre a Crise atual, que denomino de Crise 2.0,  não apenas as consequências econômicas, mas, principalmente, seus impactos sociais, na vida dos trabalhadores e da sociedade em geral. As mudanças que tendem a ser mais terríveis do que antes, pois há, no meu conceito, uma mudança de paradigma, ou uma tendência à barbárie social, no meio de guetos de extrema riqueza, cada dia menos partilhada, inclusive no coração do Capital.

Para dar suporte a estas mudanças fundamentais, o Estado mudará de qualidade, como escrevi antes: “O Estado Gotham City é a síntese da Crise 2.0, ele é, ao mesmo tempo, causa e resultado da maior crise do Capital desde 1929, uma crise que denomino de paradigmática, aquela que muda e aprofunda os controles do sistema. Do ponto de vista do Estado ele começa a ser forjado no final dos anos de 1970, com a Crise do Petróleo e das Dívidas externas no início dos anos de 1980. Precisamente com Reagan e Volcker(FED) o Goldman Sachs captura o Estado para sí e começa a determinar a ordem do capital financeiro.

Os 25 anos de longo domínio desta lógica de funcionar do Capital encontrou limites na Crise 2.0 e na resistência do velho Estado de Bem-estar Social, que trava a “liberdade” total de movimentos mundiais do Capital. A Crise é o problema-solução, toda uma nova ordem pode advir dela, inclusive a Revolução. Mas, descartada a Revolução de ruptura, o Capital faz a sua própria revolução, ou melhor, impõe uma dura mudança dentro do sistema que lhe mais favorece, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade. A “face mais visível é a repressão aberta, ou a sutil, a do controle de tudo que acontece na sociedade para melhor dominá-la.

Esta “LIBERDADE” não é valor para todos, mas para o Capital (K), porém, ideologicamente, é preciso que a sociedade comungue plenamente com este valor, cada vez mais abstrato, a tal Liberdade.

Em nome dela e por ela se sacrifica qualquer valor anterior, como solidariedade, comunidade e humanidade. Tudo se resume numa formulação simples e inteligível, queremos força para que você tenha mais liberdade, um contrassenso que não é jamais questionado. O movimento que melhor expressou estes conceitos ultraliberais foi o Tea Party, na extrema-direita.

Contraditoriamente, na Esquerda, estes valores foram assimilados de forma sutil, pelos movimentos de “Indignados” “Occupies”e outros que tais. Agora, aqui no Brasil, pelo tal “Gigante”. A maior expressão deles é a luta pela diluição dos partidos, sindicatos e organizações civis, como se estes fossem empecilho ao “Novo”, mas de que novo estamos a discutir?

Um Estado ultraliberal, sem “políticos” sem ordem e sem freios sociais, como defino que “A democracia passa a ser um “estorvo”, os velhos políticos ou as velhas formas de representação são tragados ao caos, esta aparente desordem esconde o “Novo”, um estado controlador, espião, policial que consegue galvanizar as revoltas não contra si, mas contra a própria democracia, vide Egito, Turquia, Ucrânia e agora no Brasil. As massas perdidas gritando contra as instituições, contra os políticos, mas não contra o Estado. Aliás, este ganha força com as propostas de intervenções das “forças da Ordem” ou o surgimento de um Batman, de um herói que ajude a criar mais uma “máscara” e proteja o Estado Gotham City”.

Vários episódios se somavam para demonstrar a questão da “liberdade”, da meritocracia, como, por exemplo, a questão dos médicos, que se recusavam a atender no SUS (Sistema Único de Saúde), pois, corretamente, dizem que está sucateado, sem todas as condições, porém a questão não se resume a isto, há uma população carente que precisa de médicos, mesmo em condições não tão favoráveis.

Mesmo com os salários vantajosos oferecidos em pequenas cidades de regiões mais inóspitas eram recusados, mas também não aceitavam que médicos de fora possam ser contratados, criando um entrave estúpido e desumano. Chegaram ao absurdo de se dizerem “escravos” porque teriam estágios obrigatórios, bem remunerados, depois de 2021, ano que terminaria a primeira turma sob a nova norma do MEC.

Isto não é um fato isolado, as manifestações racistas e pouco civilizadas protagonizadas pelos médicos foram de corar, cartazes abjetos e com educação zero deram a prova deste individualismo burro e uma afronta à sociedade, pois não se tratava de qualquer categoria, mas uma das mais preparadas e com melhores faculdades de educação PÚBLICA e GRATUITA, com acesso restrito à classe média alta e ricos, devidamente subsidiados pela sociedade, que agora eles desprezam, tendo claro que o peso maior dos impostos recaem fundamentalmente sobre os trabalhadores, que não tem como se negar a pagar com desconto direto na fonte, sem a opção do atendimento sem nota e sem declarar ao fisco.

O liberalismo à la Tea Party contaminou o mundo, os cyberativistas vestidos de idiotas mascarados pregavam a mesma liberdade egoísta da Direita. Conceitos como Cidadania, Urbanidade, Compromisso Social e Humano foram jogados na lata do lixo. O que tem valor, hoje, é a individualidade mesquinha, reflexo da sociedade ultraliberal do cada um por si e “deus contra todos”, assim vamos muito mal. A barbárie é um caminho, uma possibilidade cada vez mais visível no horizonte, quem a combaterá?

 

2. A Questão do tal “Novo” – Indignados, os Anti-partidos e Outros.

 

“Dá-se com a doutrina de Marx, neste momento, aquilo que, muitas vezes, através da História, tem acontecido com as doutrinas dos pensadores revolucionários e dos dirigentes do movimento libertador das classes oprimidas. Os grandes revolucionários foram sempre perseguidos durante a vida; a sua doutrina foi sempre alvo do ódio mais feroz, das mais furiosas campanhas de mentiras e difamação por parte das classes dominantes. Mas, depois da sua morte, tenta-se convertê-los em ídolos inofensivos, canonizá-los por assim dizer, cercar o seu nome de uma auréola de glória, para consolo” das classes oprimidas e para o seu ludíbrio, enquanto se castra a substância do seu ensinamento revolucionário, embotando-lhe o gume, aviltando-o. A burguesia e os oportunistas do movimento operário se unem presentemente para infligir ao marxismo um tal “tratamento”. Esquece-se, esbate-se, desvirtua-se o lado revolucionário, a essência revolucionária da doutrina, a sua alma revolucionária. Exalta-se e coloca-se em primeiro plano o que é ou parece aceitável para a burguesia”.  (W .I. Lênin, “O Estado e a Revolução” )

 

É assim que Lênin resgata o pensamento de Marx, no início do livro “O Estado e a Revolução”, isto dito há quase 100 anos, imagine-se o que lemos e ouvimos hoje sobre a obra e o pensamento de Marx. Pelo que percebi no que tenho lido, agora estamos vivendo o “Novo” no movimento social e que estamos numa mudança de paradigma parecida com a mudança da” sociedade agrícola para a sociedade industrial”.

Agora, tal mudança, seria da Sociedade Industrial para “Informacional”, seja lá o que diabo signifique isto. Ora, a sofisticação produtiva, não substituiu o modo de produção capitalista, nem há uma transição dele para qualquer outro modo de produção, a não ser que o tal “Capitalismo Cognitivo” seja um modo de produção “Novo”, mas falta categoria econômica e filosófica que justifique tal tese.

O debate não se pode fazer comparando a transição do modo de produção FEUDAL, agrícola, para o modo de produção Capitalista, industrial, mesmo que ainda incipiente na época dos Ludistas, já se impunha como modo de produção determinante, que o avanço da indústria enterraria definitivamente o modo de produção feudal, do predomínio do campo sobre à cidade. Ali, temos uma mudança efetiva de sistema, aqui não há mudança no modo de produção e acumulação, não se rompe com a sociedade de classes, nem se substituiu a luta de classe, o liame que une trabalhadores e burguesia. A leitura mais elementar do Manifesto, ajudaria a dirimir qualquer dúvida sobre o funcionamento do regime burguês, ali, Marx e Engels, definem de forma cristalina qual o objeto do Capital, o que nos parece, em essência, é o que sustenta a sociedade de classes: O Lucro.

O que se aprofunda hoje são as contradições de classes em luta, não se anunciou um novo sistema. A luta de vida e morte do Capital (K) contra o Trabalho é pela maximização da Taxa de Lucro, não existe um distensionamento dela. Na época da revolução da microeletrônica, dos sistemas digitais, ao contrário do se pensa, nunca fomos tão explorados, o tempo necessário para remuneração do trabalho produtivo é cada vez menor.

A produção de riqueza material atingiu seu pico de Superprodução em 2005(EUA), 2007 (UE) e 2010(BRICS), o que leva a consequente crise mundial. A crise tem um duplo caráter: É o fim de um ciclo, mas, ao mesmo tempo o início de um novo, neste interregno há o espaço para Revolução. Tema amplamente explorado no meu livro  Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded.

Este espaço amplo para o debate da Crise e surgimento de novas formas de lutas não significa que o modo de produção capitalista está superado, ou que a “velha” luta de classes também foi superada. As formas de organização dos explorados são dinâmicas, respondem ao nível de consciência e de elaboração que a classe trabalhadora acumula, mas não nega a existência da luta de classes.

Tentar substituir as experiências históricas dos trabalhadores por uma “geleia geral” não nos parece uma coisa “Nova”, a tentativa de diluição das organizações, dos partidos, sindicatos em nome de que a “história acabou” com o fim da Ex-URSS, agora, de que a sociedade industrial ruiu dando lugar a “Informacional” é de uma vulgaridade teórica das mais absurdas, sem nenhum pé na realidade da economia e da luta de classes.

Tratei, inicialmente, dessa questão, no também meu livro, no Capítulo  “ESTADO GOTHAM CITY E INDIGNADOS”, em que escrevi sobre movimento dos indignados versus “Estado Gotham City”, reconhecido aqui como mais uma forma de luta dos trabalhadores, porém com limites bem definidos, quando se nega a lutar pelo Poder e derrubar o Capital, casos da Espanha, com M15 ou da Itália com 5S, que parece ser a mesma lógica do que se apresenta no Brasil como o “Novo”. Assim caracterizei:

“Pelo lado dos trabalhadores e da população em geral, vimos que se organizam na Europa, no Oriente Médio e nos EUA em vários movimentos de indignados. Mas o que importa é identificar se há planos claros de ruptura com o sistema ou mesmo propostas dentro do sistema que, de forma objetiva, apontem alguma saída da crise. Várias vezes debati o papel dos indignados na série Crise 2.0.

 As famosas manifestações da Primavera Árabe, com auge no Egito, rapidamente se estenderam à Europa. O país mais atingindo pela crise, sem dúvida, foi a Grécia. A resistência tem sido heroica, lembrando seu passado mitológico. A Puerta Del Sol em Madri é o símbolo de luta e resistência dos trabalhadores e do povo espanhol. As rebeliões de Londres, numa onda que misturava protesto e vandalismo, mostrou que a luta é a saída para as regiões mais excluídas, apesar da repressão violenta. A ocupação de Wall Street foi indício de que a resistência chegara ao coração do sistema. O amplo empobrecimento, os seguidos planos que salvam a pele dos bilionários não são digeridos pacificamente por trabalhadores e estudantes.

 E o futuro? O caso da Espanha é emblemático. 

  • A Primavera de Madri/Barcelona deu frutos ou se esvaziou?
  • Os indignados desmascararam o governo “socialista”, mas com a forte abstenção que defenderam deram combustível à direita. Isso adiantou?
  • O movimento forjou qualquer plataforma alternativa de poder ou mesmo de governo?
  • Apenas se indignar com os políticos não leva à despolitização geral?

Para mim ficou claro que todos estes movimentos que questionam o sistema estabelecido, mas não propõem alternativa de poder ou de governo acabam em imensa frustração e despolitização, alimentado a direita, que galvaniza a revolta para seus interesses. Foi o que aconteceu na Espanha e em outros países, fechando-se a vaga histórica de um período revolucionário, como procurei demonstrar em “Crise 2.0: Direita, Volver”!

Os limites destes movimentos estão no vazio de propostas alternativas. A exceção seria a Grécia. O caminho do Syriza, o pequeno partido grego de esquerda que ousou enfrentar as forças políticas tradicionais e disputou firmemente as eleições, conquistando amplo crescimento, é uma alternativa clara aos governos-fantoches da Troika. Este é o rumo para os trabalhadores e o povo em geral, que pagam a dura conta da crise”.

Insisto que, a “Nova Ordem” busca esconder a ação do Estado, com o ultraliberalismo, quase um semi-estado, mas na verdade é um Estado muito mais forte, de exceção (como regra), sem democracia, povo e representação. A horizontalidade, exigida pelas multidões, casará, em essência, com os desejos da burocracia, numa dominação de massas de forma eficaz, pois se suprime a representação e seus intermediários (Partidos, Sindicatos, Organizações) tidos como desmoralizados, tudo se diluí em “movimento” em “Redes” (M15, 5 S, Sustentável,Tea Party) e “Indignados”, facilitando enormemente a cooptação e o combate de ideias.

Em síntese, o “Novo” é uma visão tolerada e aceita, pois favorece a dispersão ampla e irrestrita pois não questiona o fundamental: O Poder.

 

3. O “Novo” e o Kapital

 

“E tudo q nos parecia sólido, sumiu ao vento como nossos desejos” (Marx e Eu apud Shakespeare)

É fundamental debater o tipo de capitalismo que se engendra naquilo que se denominou de “Novo”, partindo de experiência de coletivos, ONGs, que usam fartamente de mão de obra não-paga, em nome de causas aparentemente revolucionárias, mas que de fundo podem se revelar um completo atraso. Precarizando, desvalorizando o trabalho humano, quer seja artístico, intelectual (abstrato) ou mesmo braçal.

Na época do Imperialismo, a fase superior do Capital (K) a produção de riqueza gerada de forma ampla e espalhada em todo o mundo, o Plus de valor gerado, a mais-valia é Relativa, com introdução de tecnologia em larga escala, o que não necessita de longas jornadas de trabalho, pois o “Novo Valor” se dar com o menor tempo necessário para a reprodução do homem, sobrando assim um maior tempo de trabalho não-pago, para apropriação do Capital. Tratamos da Relação de vida e morte do Kapital pelo seu objeto mágico, a Mais-Valia, com mais propriedade no nosso livro  Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded.

Ora, recentemente nos batemos com pensadores, em geral ex-marxistas, que romperam com os conceitos essências da análise do Capital, em particular o conceito de Mais-Valia, como se ela tivesse “sumido” ou fosse impossível de medir, mas pensam manter uma “áurea” de esquerda. Alguns desenvolveram um conceito peculiar, que chega a ser engraçado, um tal de ”Capitalismo Cognitivo”, seja lá o que diabo isto possa significar, como um contraponto ao “outro” Capitalismo (seria este “Burro e aquele outro inteligente?). Chegam a negar o Imperialismo, então não teria como não negar o conceito de Mais-valia.

Mas a vida acaba, muitas vezes, por resolver estas polêmicas, a dinamização do “Capitalismo Burro (sic)” que redundou na Mais-Valia Relativa, é um dado que mais se confirma em aspectos globais, mesmo com elementos de aparente Mais-valia Absoluta. Porém, o que se apresentou como “Capitalismo Cognitivo” dos tais “capital solidário”, “resignificações”, “vivências” e outras mistificações em voga, nada mais são do que nos devolver à Mais-valia Absoluta.

O trabalho não tem fim, os “projetos” não acabam nunca, fora que há metas. Indo mais a fundo, não é trabalho escravo, mas se aproxima muito de relações feudais de trabalho, portanto pré-capitalistas, mesmo que alguns falem de relações “colaborativas” como se ali existisse um modelo quase “socialista utópico”, ou se constituísse em Soviets, não são.

Do ponto de vista dos trabalhadores, e até mesmo do Kapital, a Mais-Valia Absoluta é um retrocesso, ela causa tensão nas forças produtivas e retomam patamares de flagelo humano. Por outro, lembremos que, a Mais-Valia Relativa, mesmo com menos horas trabalhadas, significam uma exploração maior, que é mitigada pelo menor tempo de trabalho ou do fim dos trabalhos aviltantes, mas não significando que os trabalhadores são menos explorados, é o contrário.

Mas o que mais vemos são os desavisados gritando que “o Novo” surgiu, se isto for o novo, voltemos ao velho, burro, estúpido, mas conhecido Kapital.  Mais uma vez lembremos Marx apud Goethe:

“Cavam na terra, à cata de um tesouro,
dão com uma vil minhoca, e ficam pagos”! (Fausto – Goethe)

Tristes tempos.

 

4. O “Novo” e o Fetiche da “Moeda”.

 

“Ouro! Ouro vermelho, fulgurante, precioso!
Uma porção dele faz do preto, branco, do feio, bonito;
Do ruim, bom, do velho, jovem, do covarde, valente, do vilão, nobre.
… Ó deuses! Por que isso? Por que isso, deuses;
Ah, isso vos afasta o sacerdote e do altar;
E arranca o travesseiro do que nele repousa;
Sim, esse escravo vermelho ata e desata
Vínculo sagrados; abençoa o amaldiçoado;
Faz a lepra adorável; honra o ladrão,
Dá-lhe títulos, genuflexões e influência,
No conselho dos senadores;
Traz à viúva carregada de anos pretendentes;
… Metal maldito,
És da humanidade a comum prostituta”.
(Marx apud Shakespeare, Timão de Atenas.)

Marx, antes de genial economista, era um poeta, a leitura do Capital é uma das mais ricas experiências que se possa ter. A obra é um desfile de erudição, graça, humor e radicalidade da análise da Economia Política, mesmo nas passagens mais complexas o autor procura suavizar o texto fazendo citações e referências literárias o que nos leva e eleva às outras viagens intelectuais e estado de espírito. A técnica apurada e peculiaridade narrativa derruba qualquer crítico desavisado, que talvez pense em “criar nova narrativa”, algo como reinventar a roda.

Em vários momentos da história se buscou “ressignificar” a questão do Dinheiro, do meio circulante e seu Valor, medida de valor. As empresas ou corporações lançam mão de novos e velhos fetiches neste processo de “ressignificação” das coisas, quando no fundo é apenas uma nova/velha máscara.  Exemplos recentes é o pagamento de vantagens (salários indiretos) através de ações das empresas, principalmente nas empresas “modernas” de tecnologia e internet, que distribuíam as IPO (Initial Public Offering), para que os funcionários virassem “sócios”.

No debate sobre os novos coletivos e suas formas de organização de trabalho, vale lembrar a relação deste com a circulação e seu meio de troca, o Dinheiro. Aqui cabe voltar ao velho Marx, mais uma vez, ainda no livro do Capital, discorrendo sobre o Dinheiro, que definiu precisamente, a máscara do valor expresso no Dinheiro “Como no dinheiro é apagada toda diferença qualitativa entre as mercadorias, ele apaga por sua vez, como leveller* radical, todas as diferenças. O dinheiro mesmo, porém, é uma mercadoria, uma coisa externa, que pode converter-se em propriedade privada de qualquer um. O poder social torna- se, assim, poder privado da pessoa privada”. (Marx, Capital, Livro I, Cap III.  nota:  *Nivelador).

Vamos às questões sem respostas claras:  Seria o tal Cubo Card ou outra “moeda” uma espécie de IPO? Aquelas ações dadas pelas empresas “mudernas” para reter talentos, iludindo uma geração inteira, que vive se achando “sócia” da empresa em que trabalhava, não se vendo mais como funcionário, mas como colaborador.

Nestas empresas tudo parecia horizontal, pena que caras como Jobs, Gates ou Soros é que realmente são os donos do Kapital e das empresas, as IPO/Cubo depois de convertidas no rompimento de contratos pouco ou nada valiam. Guardam semelhanças com o que “paga” nestes coletivos?

É importante lembrar ainda que no estourar da bolsa de internet, no começo dos anos 2000, conheci pessoas que se achavam milionários com suas IPOs, mas que perderam tudo, pois iludidos com aquela farsa trocavam bônus, seus salários indiretos em Reais ou Dólar, ou seja, em moeda por tais ações, para financiar a empresa.

Quando as ações foram ao chão, os primeiros falidos foram eles. Qual o valor real e cotação destas “moedas” fictícias? Mais uma vez, insisto, é meio circulante, pouco importando o que nela venha cunhada (ouro, prata, latão, papel), pois, ‘A circulação torna-se a grande retorta social, na qual lança-se tudo, para que volte como cristal monetário. E não escapam dessa alquimia nem mesmo os ossos dos santos nem as res sacrosanctae, extra commercium hominum”* (Marx, Capital, Livro I, Cap III.  nota: Coisas sacrossantas, excluídas do comércio humano).

 

5. O “Novo” e o Fim da Democracia

 

“À primeira vista, parece estranho; mas, só é incompreensível para quem não reflete que a democracia é também Estado e, por conseguinte, desaparecerá quando o Estado desaparecer. Só a Revolução pode “abolir” o Estado burguês. O Estado em geral, isto é, a plena democracia, só pode “definhar”. (Lênin – O Estado e a Revolução).

O tal “Novo”, dado como o “sujeito” da “Revolução”, que dizem que se materializou no Brasil com os eventos das jornadas de junho de 2013, não ficam longe de outras lutas, como Espanha, Itália e EUA, tendo como atores fundamentais, os tais indignados e Occupies, que em síntese questionam a democracia, mas especificamente, a representativa. Em alguma medida diferem de Turquia e Egito, que a luta é por democracia em regimes autocráticos.

Não podendo ser colocados como movimentos únicos, apenas por serem massivos e porque, de alguma forma, as Redes Sociais foram meio usado para agregar, divulgar e chamar as manifestações. As características comuns param aqui. Cada realidade e suas soluções de lutas responderam aos seus momentos, inclusive gerando organizações próprias com objetivos distintos. Além de consequências bem distintas, como agora o violento golpe de Estado no Egito, o resultado final é desastroso, daquilo que era saudado como “Revolução”.

Ao ler o livro “@ internet e #Rua – Cyberativismo e mobilização nas redes sociais”, de Fabio Milani e Henrique Antoun, mas já esbarrei com um complicado prefácio de Ivana Bentes, que beira ao surreal, que para azar, do prefácio, o modelo de “nova Revolução” by Egito, M15, 5S ou Rede Sustentável, deu no que deu, nem deve ter dado tempo de se “corrigir”.

O triunfal e arrogante “Adeus, Marx”, em nome do mundo virtual, foi literalmente atropelado pelo Mundo Real e os cadáveres egípcios. Ou pelos Black Blocs e “anônimos” dominados pela extrema-direita que queriam a queda do Governo Dilma.

O Ultraliberalismo é uma esquina onde os extremos da Esquerda e da Direita se encontram: Cyberativismo com Tea Party – ambos desprezando a democracia. Que momento inglório! A mau condição de luta para os trabalhadores é sob ditadura, quem defende o fim da democracia não defende a Classe, se bem que ali já fica claro que o que se defende é a “pós-classe”.

Conceitos difundidos no prefácio do livro, como: “O paradoxo capitalista é ter que barrar a socialização, compartilhamento e difusão cada vez mais veloz da produção, resultado do trabalho cognitivo e afetivo, que não pertencem mais ao capital, mas resultam das relações sociais de cooperação”. Ora, como assim, o Kapital não é dono do trabalho aplicado, em que mundo a autora vive? Como venho dizendo e que reafirmo que não existe dois tipos de “capitalismo”, não existe corte entre Capitalismo Burro e Capitalismo Cognitivo, isto é um embuste.

Mais a frente, temos que “A forma rede, na sua configuração P2P, cooperativa, desindividualizada, não responde mais aos atos de fala e de comando vindos de uma centralidade qualquer (partidos, mídia, ONGs, grupos já previamente organizados, etc.), mas emerge como uma rede policêntrica ou distribuída capaz de se articular local e globalmente, numa conexão máxima, e capaz de rivalizar (inclusive por sua imprevisibilidade) com as redes constituídas dos poderes clássicos”. Aqui Partidos e organizações são desprezadas em nome da “Matrix”, francamente.

A tentativa de substituir o mundo Real pela abstração Ideal já tinha ido mal com gente mais qualificada como Hegel, Kant ou Feuerbach, imagine agora com este neoidealismo canhestro? Dá nos nervos esta estupidez do tal “Capitalismo Cognitivo”.

Por dever de ofício, li, não sou mesquinho em ignorar como fizeram com meu livro (Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded), mas é dose pra elefante o repertório, já no prefácio. Este é um momento crucial de reafirmar a luta de classes, nunca foi tão dura e desfavorável, não dá para uma parte do movimento de esquerda embarcar numa viagem lisérgica.  A confusão conceitual pode nos custar caro.

Seria cômico, se não fosse trágico, ver nos últimos dias que os líderes mascarados e anônimos recusando o diálogo com estes intermediários (os tais ativistas digitais), na questão do Marco Civil, repudiando-os. Perderam tanto tempo em defesa do anonimato, como fronteira última da criatividade, agora recebem o repúdio do seu público alvo, a vida é realmente cheia de surpresas, a maioria delas bem desagradável. Este é o momento de reafirma uma ideologia, não a negar, cair na diluição, na “liquidez” da rede e dos pensamentos.

Pelo que vejo nada se cria, apenas usam nomenclaturas diferentes para expressar a mesma embromação, viva o Kapital: Burro ou Cognitivo, pois a exploração não é acidental, ao contrário, é a parte essencial do modo de produção. O fetiche é livre, se ilude quem quer.

 

6. A Hidra do Neofascismo ressurge com o “Novo”

 

“o “fascismo” é a atitude emocional básica do homem oprimido da civilização autoritária da máquina, com sua maneira mística e mecanicista de encarar a vida. É o caráter mecanicista e místico do homem moderno que cria os partidos fascistas, e não vice-versa”. (Wilhelm Reich.

O caráter da catarse geral do “Outono Brasileiro” precisa ser investigado em várias frentes, procurei levar o debate para questões objetivas, da estrutura da Economia, com seus reflexos na Política, busquei entender a lógica por trás da rebelião, acredito que avancei um pouco no tema, aliás, os textos vão entrando numa cadeia comum de elaboração que vem desde a época da série Crise 2.0.

Porém, a questão não se resolve somente com uma análise objetiva ou estrutural, ela deve, necessariamente, descer para um outro nível, mais subjetivo, que é o entendimento psicológico que envolve uma explosão social de massas. Nestes dias retomei a leitura do Médico e Político, nascido no território do império Austro-Húngaroo, Wilhelm Reich, que produziu, para mim, um dos melhores textos analíticos sobre o fenômeno do Fascismo, de como surge e suas principais características, em particular a catarse de massas, de movimento contra tudo e todos, que esconde um profundo reacionarismo político.

Recortei o prefácio à terceira edição do seu livro Psicologia de Massas do Fascismo,  e pus no artigo A Psicologia de Massas do Fascimo – Ou, o Gigante Acordou, pois lá ele conseguiu sintetizar de forma magistral a questão do fascismo e sua relação com o homem “médio”. O termo central que ele denomina o tal Homem, o ”Zé Ninguém” , nos parece muito apropriado ao nosso “Gigante Toddynho”, a análise de seu caráter é exata, não tem o que tirar. Resolvi reproduzir a parte essencial do texto, o link acima tem o livro completo, importantíssimo para uma compreensão mais ampla do que atualmente enfrentamos.

Basta lembrar que a culta e racional sociedade alemã se deixou levar pelo fascismo, as razões de fundo são brilhantemente analisadas por Reich, o que demonstra que não há nada de novo ou inovador na revolta do “Gigante” dos bem “informados”, “plugados”, as questões são bem mais irracionais e perversas, mas é preciso ler o todo e entender as partes do problema. Os parágrafos iniciais são mais densos, pois sinteticamente, Reich, pontua sua tese, depois se torna mais direto e nos põe em plena Alemanha pré-Hitler.

Se em junho o movimento foi em crescente e que partiu de uma base concreta, a questão das passagens de ônibus, o seu estopim, mas principalmente pela necessidade de sair da zona de conforto. O questionamento amplo e irrestrito sem pauta clara abriu um leque político e ideológico das forças de quem tentou “dominar” as amplas massas que foram às ruas.

Tanto a extrema-direita, quanto a extrema-esquerda acharam que o movimento lhes pertencia, sem nem se dar ao trabalho de efetivamente filtrar os sentimentos daquela revolta de junho. Partindo do pressuposto de que bastava abrir paginas e páginas nas redes sociais iriam mobilizar ao seu bel prazer. A tática de enfrentamento aberto, no começo. Lá em Junho, como forma justa de se contrapor à violência policial, era apoiada massivamente, entretanto os grupos de extrema-direita passaram a usar como única forma de luta, sem nenhuma bandeira política associada que a justificasse.

Para onde seguir?

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